O artigo 763 do Código Civil estabelece que o segurado não terá direito ao recebimento de indenização se estiver em atraso no pagamento do prêmio no momento do sinistro, conforme se transcreve: “Não terá direito a indenização o segurado que estiver em mora no pagamento do prêmio, se ocorrer o sinistro antes de sua purgação”.

Nesse mesmo sentido é a regra das condições gerais do seguro automóvel – baseada no art. 12, parágrafo único, do Decreto-Lei nº 73, de 21.11.1966 e art. 4º do Decreto nº 61.589, de 23.10.1967 – que preveem que em caso de não pagamento do prêmio a apólice de seguro será cancelada automaticamente, perdendo o segurado o direito ao recebimento da indenização.

Entretanto, é importante considerar que as citadas leis não devem ser interpretadas de forma isolada, mas em conjunto com os princípios que regulamentam os contratos de maneira geral, especialmente os princípios da função social dos contratos e da boa-fé objetiva (artigos 421 e 422 do Código Civil).

Os contratos de seguro possuem valor social, econômico e devem ser preservados. Por esse motivo, a jurisprudência predominante no Superior Tribunal de Justiça determina que a seguradora avise o segurado, com antecedência e de forma inequívoca, sobre eventual atraso no pagamento do prêmio, dando-lhe oportunidade de quitação e, caso não seja quitado, poderá negar-lhe o pagamento da indenização em caso de sinistro, conforme decisão abaixo:

 “SEGURO DE VEÍCULO. MORA DE SEGURADO. NECESSIDADE DE INTERPELAÇÃO PRÉVIA. PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO. 1. O inadimplemento de parcelas do prêmio não enseja o cancelamento da apólice, nem a suspensão dos efeitos do contrato de seguro, se não foi o segurado previamente interpelado pela seguradora a fim de constituí-lo em mora. 2. Recurso conhecido e provido.” (RESP 1.138.080-SP, STJ, Quarta Turma, Min. Rel. João Otávio de Noronha, j. 01/02/2011)

Disto se conclui que os ministros do STJ utilizaram a teoria do adimplemento substancial do contrato para embasar suas decisões acerca deste tema.

Esta teoria estabelece que, em um contrato de prestações continuadas, como é o caso de alguns tipos de contrato de seguro, o inadimplemento do pacto deve ser significativo para sua extinção. Em outras palavras, deve ser considerado o valor total da obrigação assumida contratualmente e o valor do inadimplemento para que se possa apurar se esse descumprimento pode gerar a rescisão do pacto de forma unilateral. Assim, havendo o inadimplemento de parte não significativa, cabe ao credor (seguradora) apenas cobrar os valores dos prêmios em atraso e jamais rescindir a apólice.

É possível utilizar a teoria acima para, por exemplo, justificar a purgação da mora (quitação do prêmio em atraso) após a ocorrência do sinistro, quando ficar apurado que o valor em aberto for relativamente pequeno em relação ao que já foi pago pelo segurado à seguradora.

Este é o conceito apresentado por Clóvis Couto e Silva para o adimplemento substancial do contrato: "Constitui um adimplemento tão próximo ao resultado final que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de resolução, permitindo-se tão somente o pedido de indenização e/ou adimplemento, de vez que a primeira pretensão viria a ferir o princípio da boa-fé (objetiva)".

Diante do acima exposto, conclui-se que as normas sobre purgação da mora devem ser interpretadas de maneira conjunta com as teorias de proteção ao consumidor, considerando a teoria do adimplemento substancial e o princípio da função social do contrato.

(05.10.2017)