O Sistema Nacional de Seguros encontra-se em um forte processo de transição com a participação direta e indireta de todos os seus representantes. Esse processo tem como objetivo a modernização do sistema ou o que cada setor acredita ser ‘modernização’.

Para uns, a necessária inclusão do nosso Sistema ao Sistema Internacional e consequente adequação ao evidente globalismo do seguro; para outros, a tradicional postura comodista da manutenção do ‘status quo’; e outros ainda, ultraconservadores, pretendem o retorno do monopólio do resseguro e absoluto controle estatal do Sistema.

Parece-me que as iniciativas de introduzir esse processo têm início na quebra do monopólio mantido pelo IRB: algumas poucas lideranças do mercado – corretores, alguns seguradores e técnicos egressos do próprio IRB, conhecedores da condição internacional e global do seguro – tentaram atualizar a metodologia dos processos em nosso Sistema. Infelizmente, foram barrados pela ignorância abundante que permeava as decisões do Governo, na estrutura da SUSEP, nas representações das seguradoras e dos corretores que, na época, julgaram que a quebra do monopólio do resseguro e a autorização para a criação das resseguradoras brasileiras - altamente protegidas – já seria modernização suficiente para o nosso mercado. Não levaram em conta o ponto principal e tradicionalmente esquecido: os interesses maiores dos consumidores.

Por anos, o ideal de modernização do mercado foi mantido através de artigos, cursos, palestras, pressões tecno-comerciais e políticas. No entanto, com a entrada da nova Superintendente da SUSEP, Sra. Solange Paiva Vieira surgiu um interesse maior. E tudo leva a crer que, inegavelmente, a reconhecida economista e pessoa de confiança do Ministro da Economia, segue a cartilha do franco neoliberalismo onde a intervenção do Estado como partícipe da evolução e modernização da economia é permitida. Nesse sentido, contraria o laissez faire do liberalismo, a sobrevivência do mais forte do velho Darwin e do Capitalismo Selvagem dos americanos de outrora.

Tenho grande simpatia pelo neoliberalismo, porém, no caso das atividades ora em estudo e de outras praticadas pela SUSEP, entendo que deva existir uma certa distância, salvo melhor juízo, entre a posição da Superintendente que procura modernizar este nosso arcaico Sistema e as demais estruturas da SUSEP que ainda persistem em atuar ao estilo 1967. Como no caso da Resolução 382 de 2020 que parece indicar uma certa falta de conhecimento em relação as atividades dos corretores seguros. Por outro lado, agendas diversas em estudo com a finalidade de permitir que o mercado assuma a livre criação de seus produtos, eliminando a padronização sistemática de cláusulas e condições, demonstram claro objetivo de modernizar o Sistema.

Salvo melhor juízo, o que me parece é que ninguém se atém a encontrar o que a maioria absoluta dos participantes do atual Sistema de Seguros quer. Como participar do mercado internacional ao qual é dependente e participante. Acima de tudo, a responder a demanda real do consumidor ao que, de fato, seria a modernização do mercado.

Para tanto, é fundamental que todos se envolvam e ouçam, comentem e assessorem os estudos da SUSEP para que alcance um objetivo de longo prazo, de uma proposta para o funcionamento adequado, eficiente e eficaz de um novo Sistema de Seguros no Brasil. Que não acolha a tradicional subserviência do mais fraco ao mais forte, ponto importante do neoliberalismo. É bom lembrar, ainda, que o desenvolvimento econômico/financeiro do mercado de seguros, depende fortemente da própria evolução econômica do país e, como consequência, da adoção de medidas que venham a permitir a geração de demanda ao seguro. Com a eclosão da pandemia, já nos encontrávamos em situação grave na economia. Estávamos aguardando inúmeras reformas em seguida a da Previdência. Agora, a recessão está ainda mais forte e, certamente, seus efeitos serão sentidos pelo Sistema. Assim, é importante que seja entendido que a simples modernização não irá necessariamente influir no crescimento da produção de seguro, nem tampouco, o Sistema virá a adotar tão somente ações que, a pretexto de concorrência e redução de custos, pretendam medidas modernosas, profissionalmente falsas e alheias à realidade, muito comum em inúmeros projetos e programas deste nosso Brasil.

Como falado no início deste artigo, as ideias para modernizar o Sistema Nacional de Seguros são bastante heterogêneas, com inúmeros e diferentes pensamentos na forma pretendida para a sua manutenção e, sobretudo, na forma de agir na atividade Seguro. O importante a considerar preliminarmente, é que a atividade do seguro é importante e razoável, envolvendo milhões de empregos e dependências diversas. Portanto, é extremamente séria a tratativa para modificar exemplarmente o Sistema. A propósito, é bom lembrar que a reserva técnica de seguros no Brasil atinge um valor superior a 1 trilhão de reais. Isso é ainda pequeno considerando o mercado internacional.

Assim, dentro de minha inferência, o que realmente desejamos para um novo Sistema de Seguros?

Das inúmeras versões, atrevo-me a apresentar o que julgo cada um dos participantes poderia recomendar: realmente, é um grande atrevimento, pois, humildemente deveria me recolher a minha insignificância. Mas, vamos lá!

No contexto dos ultraconservadores, quer me parecer que em sua maioria, gostariam de voltar a 1967 com o Sistema imposto pelo Decreto Lei 73, inclusive, com a manutenção do IRB como órgão monopolista. Neste grupo, vamos encontrar um número razoável de seguradoras, principalmente, entre aquelas que melhor controlam suas instituições representativas. E, também, um número razoável de corretores de seguro ligados a seus órgãos representativos.

Já os conservadores, a meu ver, desejam manter a situação atual, o ‘status quo’, com maior controle da SUSEP no sentido de padronizar ao máximo condições e cláusulas, cercear mais ainda as atividades dos corretores de seguros com restrita fiscalização, preferivelmente sob seu total controle. Aqui encontramos as seguradoras de banco e de interesses outros.

Os liberais, por outro lado, desejam a total inserção do mercado local ao mercado internacional trazendo ao Brasil todas as operações de produtos, modernizando imediatamente os serviços inerentes a essa atividade. Instituições financeiras, bancos, empresas de investimentos e que tais seriam excluídas e proibidas de operar em seguro. A meu ver, colocaria as atividades de seguro e resseguro totalmente a mercê do mercado internacional e, aqui no Brasil, influenciado pelo capitalismo selvagem, detonaria os mais fracos. Por exemplo, teríamos que considerar se ao Brasil interessa manter empresas de resseguro. O IRB seria mantido detendo mais de 60% do resseguro nacional, como ressegurador brasileiro, alijado que seja do controle acionário dos bancos?

Por fim, temos os neoliberais da cartilha da Sra. Solange Vieira que, a meu ver, pretende abrir o mercado liberando a operação produtiva das seguradoras, criando as condições de aprimoramento técnico dos corretores de seguros, porém, equilibrando as pressões dos mais fortes, permitindo a manutenção de seguradoras e resseguradoras locais, mas, totalmente inseridas no mercado internacional.

E, afinal o que o consumidor deseja?

Atrevo-me a considerar que o cliente brasileiro, ou atuando no Brasil, deseja que seus riscos encontrem condições técnicas e de serviços eficientes e eficazes de seus corretores e do mercado de seguros que lhe permitam o controle de escolha de sua política de retenção e de transferência ao seguro. E nesse processo, uma regulação justa e criteriosa de sinistros e, sobretudo, o retorno da instituição da ‘boa-fé’ de um passado longínquo, que hoje em dia é chamada de ética profissional.

São Paulo, 9 de Julho de 2020