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PARECER NORMATIVO SUSEP Nº 005, DE 11.03.2003

PARECER NORMATIVO SUSEP
PROCESSO SUSEP Nº 15414.000747/2003-24 - Direito Civil e Securitário. Reflexos da Lei nº 10.406/2002 (Novo Código Civil) nos contratos e planos de seguro; relatório do Departamento Técnico Atuarial da SUSEP; competência legal da Procuradoria-Geral para fixar a interpretação das leis a ser uniformemente seguida no âmbito do Sistema Nacional de Seguros Privados (Arts. 17, 18 e 11, inciso III, da Lei Complementar nº 73/93).

PARECER NORMATIVO SUSEP Nº 005, DE 11.03.2003

PROCESSO SUSEP Nº 15414.000747/2003-24

Direito Civil e Securitário. Reflexos da LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002 (Novo Código Civil) nos contratos e planos de seguro; relatório do Departamento Técnico Atuarial da SUSEP; competência legal da Procuradoria-Geral para fixar a interpretação das leis a ser uniformemente seguida no âmbito do Sistema Nacional de Seguros Privados (Arts. 17, 18 e 11, inciso III, da Lei Complementar nº 73/93).

Em atendimento à solicitação formulada pelo Ilmo., Sr. Chefe do Departamento Técnico Atuarial da SUSEP, venho, através do presente trabalho, apresentar as considerações desta Procuradoria-Geral acerca do relatório produzido no âmbito daquele órgão, com o propósito de avaliar possíveis impactos, aos contratos de seguro e regulamentação pertinente, decorrentes da entrada em vigor da LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002.

Justifica-se plenamente a preocupação do departamento consulente, a uma, pelos consideráveis reflexos trazidos pela nova lei substantiva aos produtos operados pelo mercado securitário como um todo, a duas, porque compete a SUSEP, na qualidade de executora da política traçada pelo Conselho Nacional de Seguros Privados - CNSP, fixar as condições de apólices, planos de operações e tarifas a serem utilizadas obrigatoriamente pelo mercado segurador nacional (Art. 36, “c”, DECRETO-LEI Nº 073, DE 21.11.1966, bem como baixar instruções e expedir circulares relativas as operações de seguro (Art. 36, “b”, DECRETO-LEI Nº 073, DE 21.11.1966) e, a três, por ser competência legal da Procuradoria-Geral fixar a interpretação das leis a ser uniformemente seguida no âmbito do Sistema Nacional de Seguros Privados (Arts. 17, 18 e 11, inc. III, da L.C. nº 73/93)

Considerando a urgência que o tema requer, vez que a LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002 (Código Civil), entrou em vigor em 11 de janeiro do presente ano, procuraremos analisar de forma suscinta e objetiva os pontos enfocados na consulta, recorrendo apenas, quando necessário, a referências doutrinárias e jurisprudenciais.

Feitos esses esclarecimentos, passaremos a enfrentar pontualmente os dispositivos do código que foram objeto de questionamento por parte daquele departamento.

1. DA INCAPACIDADE RELATIVA

Dispõe  a LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002 em seu Art. 4º, verbis:

“Art. 4º- São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:

I - os maiores de dezesseis anos e menores de dezoito anos;

II - os ébrios, os viciados em tóxicos e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;

III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;

IV - os pródigos;

Parágrafo único - A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.”

Nota-se que a LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002introduz nos incisos II e III figuras que não encontram correspondência na legislação revogada, levando o consulente a indagar sobre declarações inverídicas e/ou omissões praticadas por aqueles incapazes, o que poderia ser considerado, por determinada seguradora, como ato de má-fé autorizando, assim, anulação do contrato e a retenção do prêmio já pago. Suscita, ainda, sobre a possibilidade do curador daquelas pessoas alegar que, quando da celebração da avença não terem sido assistidas e, portanto, vir a requerer anulação do contrato e reembolso do prêmio. Aduz, também, a possibilidade de vir a seguradora a alegar que até a data do requerimento de anulação do contrato, pelo curador, o seguro estaria em vigor e, portanto, reter o prêmio relativo a este período.

Consoante disposição da lei civil, é anulável o negócio jurídico por incapacidade relativa do agente, o que conduz à lógica conclusão de que da incapacidade relativa do segurado resulta a anulabilidade do contrato de seguro, que pela dicção do Art. 172, da LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002 não tem efeito antes de julgado por sentença.

Em comentário ao mencionado dispositivo NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY apontam que “enquanto não anulado por sentença judicial transitada em julgado (CC. 177), o ato ou negócio anulável produz efeitos desde que é perpetrado. Seu exame depende de alegação do interesse e não pode ser proclamada de ofício. Como só produz efeito depois de declarada por sentença (CC. 177), não pode ser alegada como exceção substancial (defesa), pois tem de ser objeto de ação (pedido principal). Proclamada a anulabilidade por sentença transitada em julgado, essa anulação produz efeitos a partir do trânsito em julgado (ex nunc), conservando-se válidos e eficazes os atos praticados anteriormente à anulação. Anulado o ato por sentença, as partes voltam ao seu estado anterior, mas os atos praticados desde o ato anulável até a sua proclamação judicial permanecem válidos e eficazes, resguardando-se direitos de terceiros”.

Nessa linha, até o trânsito em julgado da decisão anulatória do contrato de seguro, celebrado por relativamente incapazes, é devido o prêmio e também a cobertura por eventual sinistro ocorrido.

O curador é legitimado para requerer em juízo a anulabilidade do contrato, mas não terá direito a reembolso do prêmio pago anteriormente ao trânsito em julgado da decisão anulatória.

2. DECLARAÇÃO DE MORTE PRESUMIDA

“Art. 7º - Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência:

I - Se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida;

II - Se alguém, desaparecendo em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra.

Parágrafo único - A declaração de morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento.”

A declaração de ausência, por sentença, por força do desaparecimento de pessoa do seu domicílio sem deixar notícia era tratada, no Código Civil de 1916, no Art. 463, com procedimento judicial regulado nos artigos 1159 a 1169, da lei adjetiva.

LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, todavia, introduz a figura da declaração de morte presumida, sem decretação de ausência, devendo a sentença fixar a data possível do falecimento.

Consoante o Art. 9º, inciso IV, da LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, a sentença declaratória de morte presumida, assim como a declaratória de ausência, deve ser levada a registro para expedição da certidão de óbito, pelo oficial do registro civil, que deverá apontar, como data do óbito, aquela fixada pelo juiz na sentença.

Importante destacar que a nova figura não se confunde com a ausência (Arts. 22 e 23); portanto declarada a morte presumida, por sentença, esta valerá para todos os fins legais, inclusive o seguro.

Assim, qualquer atualização a incidir sobre o valor da indenização deverá ter por base a data fixada na sentença.

3. ATOS ILÍCITOS E O SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL

Dispõe a LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, nos Arts. 186, 187, 927, 762 e 787, verbis:

“Art. 186 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187 - Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 927 - Aquele que, por ato ilícito (Arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único - Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Art. 762 - Nulo será o contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário, ou de representante de um ou de outro.

Art. 787 - No seguro de responsabilidade civil, o segurador garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro.

No perfeito escólio de MOREIRA ALVES, dois são os sistemas de responsabilidade civil que foram adotados pelo Código Civil: responsabilidade civil objetiva e responsabilidade civil subjetiva. O sistema geral do C.C. é o da responsabilidade civil subjetiva (C.C. 186), que se funda na teoria da culpa: para que haja o dever de indenizar é necessária a existência do dano, do nexo de causalidade entre o fato e o dano e a culpa latu sensu (culpa - imprudência, negligência ou imperícia; ou dolo) do agente. O sistema subsidiário do C.C. é o da responsabilidade civil objetiva (C.C. 927, parágrafo único), que se funda na teoria do risco: para que haja o dever de indenizar é irrelevante a conduta (dolo ou culpa) do agente, pois basta a existência do dano e do nexo de causalidade entre o fato e o dano. Haverá responsabilidade civil objetiva quando a lei assim determinar (v.g. CC. 933) ou quando a atividade habitual do agente, por sua natureza, implicar risco para o direito de outrem (v.g. atividades perigosas). Há outros subsistemas derivados dos dois sistemas, que se encontram tanto no C.C. como em leis extravagantes. Considerado o sistema da responsabilidade subjetiva como regra geral e da responsabilidade objetiva como a exceção.

Diante de tais considerações, temos, pela dicção do Art. 787, que o seguro de responsabilidade civil tem por objetivo a cobertura de indenizações pagas pelo segurado a terceiros decorrentes de ato seu suscetível de acarretar responsabilidade.

Por outro lado, a LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002 torna nulo o contrato de seguro proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário ou de representante de um ou de outro.

Em decorrência de tal moldura legal, é certo que os atos decorrentes de dolo do segurado não encontram cobertura no seguro de responsabilidade civil.

É sabido que, sob a vigência do Código de 1916, alguma resistência se fez em relação a essa modalidade securitária, particularmente por força do Art. 1436, que tornava nulo o contrato de seguro quando o risco de que se ocupa, se filiar a atos ilícitos do segurado, do benefi­ciado ou dos representantes e prepostos, quer de um, quer do outro.

Há quem sustente, por outro lado, que o DECRETO-LEI Nº 073, DE 21.11.1966, no tocante aos seguros de responsabilidade civil, teria revogado expressamente a disposição do Art. 1436 do antigo código por disciplinar diretamente seguros obrigatórios de responsabilidade civil.

Todavia, entendemos que nem o DECRETO-LEI Nº 073, DE 21.11.1966 nem tampouco a Lei nº 6.194/74 revogaram o Art. 1436, do velho código, eis que tais diplomas constituem regramentos especiais que apenas excluem, naquilo que tratam, a aplicação da regra geral.

Sobre o tema, o festejado RICARDO BECHARA SANTOS pondera que “o seguro de responsabilidade civil tem exatamente por escopo garantir ao segurado aquilo que ele for obrigado a pagar a terceiro uma vez caracterizada a sua responsabilidade civil segundo os princípios aqui lembrados, dentre outros. O próprio nascimento desta modalidade de seguro encontrou, na ocasião, os seus opositores, que argüiam a sua inviabilidade jurídica em face do Art. 1436 do Código Civil, segundo o qual nulo é o contrato de seguro se filiar a atos ilícitos do segurado ou de seus beneficiários.

Realmente, a própria responsabilidade civil tem assento no ato ilícito, por isso que, à primeira vista, esbarraria a criação do seguro de RC naquele dispositivo do Código, mas que acabou admitido sob o argumento de que aquela ilicitude, como obstáculo do seguro em tela, teria que ser de natureza grave, como o dolo e a culpa grave, ou um ato previsto como crime no Código Penal.

O ato ilícito, pois, timbrado pela culpa strictu sensu, em que preside a involuntariedade do agente, foi possível como risco segurável.”

Com o advento da LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002 a nulidade do contrato de seguro ficou restrita aos atos dolosos, ficando, assim, excluídos aqueles praticados por culpa.

Por outro lado nosso direito positivo não gradua a culpa (grave, leve e levíssima), daí decorrendo, portanto, que somente os atos dolosos configuram risco excluído.

Nesse sentido vale uma vez mais a abalizada opinião de RICARDO BECHARA SANTOS:

“Todavia, técnica e juridicamente, a culpa grave não há de se identificar com o dolo, pois que dele se diferencia por não ter em seu componente a premeditação, configurando-se, isto sim, pelo elemento consciência, ou seja, típica daqueles que, não querendo o resultado, assumem, entretanto, o risco de produzí-lo, como que se fora a figura do dolo eventual.

Até porque, o dolo e a culpa grave não são figuras jurídicas idênticas, tanto que vêm tratadas cada qual na sua expressão e terminologia próprias.”

Dessarte, concluímos que os atos praticados por culpa grave do segurado encontram-se albergados pela cobertura securitária, uma vez que, se o contrário fosse o desiderato do legislador, este o teria feito expressamente, na redação do Art. 762, da LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002.

No que concerne aos atos dolosos praticados por empregados, prepostos e assemelhados, entendemos que o risco do empregador estaria coberto, sendo certo que, ao contrário do Art. 1436, do código de 1916, a LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002 excluiu tais pessoas da hipótese de nulidade do contrato por ato doloso.

Cabe registrar, uma vez mais, que a LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002 abraça expressamente a teoria da responsabilidade objetiva das pessoas elencadas no Art. 932, nos termos do Art. 933, verbis:

“Art. 932 - São também responsáveis pela reparação civil:

I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;

III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;

V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.

Art. 933 - As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.”

Cabe também esclarecer, com relação a este tópico, questão levantada pelo consulente relativa a cláusulas dos seguros obrigatórios de responsabilidade civil que determinam o pagamento de indenização, independentemente da existência de culpa e que, supostamente, estariam em conflito com o disposto no Art. 762, da LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002.

Como exemplo, é mencionada a situação de um motorista que, premeditadamente, atropela e mata uma pessoa. Assim, de acordo com a regulamentação do DPVAT, os danos pessoais inflingidos às vítimas estariam cobertos, independentemente da existência de culpa.

Em verdade os seguros de responsabilidade civil obrigatórios encontram-se expressamente previstos no Art. 20, do DECRETO-LEI Nº 073, DE 21.11.1966, nos termos das alíneas “b” e “c”, verbis:

“Art. 20 - Sem prejuízo do disposto em leis especiais, são obrigatórios os seguros de:

............................................................................................

b) responsabilidade civil dos proprietários de veículos automotores de vias fluviais, lacustre e marítima, de aeronaves e dos transportadores em geral; (alínea com redação dada pela Lei nº 6.194, de 19.12.1974,

c) responsabilidade civil do construtor de imóveis em zonas urbanas por danos a pessoas ou coisas

............................................................................................”.

Impende assinalar, não obstante respeitáveis opiniões em contrário, que o seguro obrigatório por danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, ou por sua carga a pessoas transportadas ou não (DPVAT), previsto na alínea “l”, do Art. 20, do DECRETO-LEI Nº 073, DE 21.11.1966, cuja redação se deve a Lei nº 6.194/74 , não é um seguro de responsabilidade civil, uma vez que o legislador não o definiu como tal.

Em verdade, trata-se de uma estipulação, legalmente obrigatória, feita pelo proprietário do veículo a terceiros que, frise-se, não encontram-se identificados no momento da contratação do seguro. Sua natureza híbrida confunde os doutrinadores, eis que, a primeira vista, reveste-se das características da responsabilidade civil. No entanto, exame mais acurado nos leva a conclusão diversa, uma vez que sua cobertura envolve reposição de despesas médicas e hospitalares, mas também acidentes pessoais, sendo que o terceiro, vítima de acidente, não identificado no momento da contratação, pode ser o próprio estipulante/segurado.

Nessa ótica, verifica-se que sua natureza conjuga seguro de dano (reposição de despesas) e um seguro de pessoa (acidentes pessoais), contrariando, assim, a classificação do LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002 que insere o seguro de responsabilidade civil, tanto facultativo quanto obrigatório, na seção do seguro de dano.

Por outro lado, se a cobertura de responsabilidade civil garante o pagamento de perdas e danos devidos a terceiros, igualmente por essa razão se descaracteriza o DPVAT como seguro de responsabilidade civil, eis que sua cobertura contempla também o próprio estipulante/segurado (dono do veículo)

Na perfeita colocação de PEDRO ALVIM, o direito brasileiro distingue duas espécies de estipulação. Uma disciplinada pela legislação especial de seguros. Outra, do direito comum, tratada no Código Civil de 1916 (Arts. 1098/1100) e mantida na LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002 (Arts. 436/438).

Na primeira hipótese, o estipulante contrata o seguro por conta de terceiros, sendo apenas mandatário dos segurados. Na segunda, o seguro é contratado em favor de terceiros, sendo que o estipulante equipara-se ao segurado.

A diferença é que na estipulação por conta de terceiros, no contrato de seguro, o risco incide sobre o segurado e não sobre o estipulante, razão pela qual este assume a posição de representante daquele para transferir o risco ao segurador; na estipulação em favor de terceiros, o risco é do próprio estipulante que se confunde com o segurado perante o segurador, como acontece, por exemplo, no seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos (DPVAT), regulado pela Lei nº 6.194/74 , alterada pela Lei nº 8.441, de 14/07/92, onde o proprietário do veículo é um simples estipulante.

Em remate ALVIM afirma que nos seguros obrigatórios o estipulante supre a vontade do segurado, de cuja manifestação se prescinde para a transferência do risco ao segurador. Ocorre a representação legal, por isso o estipulante se equipara ao segurado para os efeitos de contratação e manutenção do seguro. Pratica todos os atos jurídicos perante o segurador, como se fosse o próprio segurado, salvo para receber o pagamento da indenização ou quantia segurada.

Também Bechara, ao apontar a diferença entre o seguro de responsabilidade civil e o DPVAT, comunga da mesma tese observando que “ao contrário do que se sucede no Seguro de Dano Pessoal Causado por Veículo Automotor - DPVAT ou por sua carga a pessoa transportada ou não –, que se caracteriza como uma estipulação em função de terceiro, vale dizer, das vítimas de trânsito em potencial, no seguro de Responsabilidade Civil Facultativo de que estamos a comentar, onde não há essa estipulação em favor de terceiro, mas o objetivo de repor o patrimônio do segurado, o segurador não substitui o segurado no pólo passivo da demanda, embora possa estar ao lado dele para assistí-lo em sua defesa”.

É de se observar, nos termos do Art. 2º da Resolução CNSP nº 56, de 23/09/2001 (DPVAT) que a cobertura do seguro cobre inclusive os próprios proprietários e motoristas dos veículos, o que afasta definitivamente qualquer possibilidade de se vir a considerar o DPVAT como seguro de responsabilidade civil.

Em face de tais argumentos, fica prejudicada a dúvida suscitada em relação ao motorista que de modo premeditado atropela e mata uma pessoa, eis que, na hipótese, é a própria vítima a beneficiária da estipulação, legalmente obrigatória, em seu favor.

Ademais, o seguro DPVAT tem sua disciplina tratada por lei própria (Lei nº 6.194/74) , aplicando-se, apenas, no que couber os princípios e regras gerais contemplados na LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, a teor do Art. 777, verbis:

“Art. 777 - O disposto no presente capítulo aplica-se, no que couber, aos seguros regidos por leis próprias.”
(grifamos)

Por derradeiro, cabe fazer um reparo no comentário nº 3 (pg. 10) ao considerar, como risco excluído, aquele decorrente de atos ilícitos culposos em todas as modalidades de seguro que não sejam de responsabilidade civil. Como se viu, tais riscos, em princípio, pela nova lei substantiva, são passíveis de cobertura securitária.

4. OS DANOS MORAIS NO SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL

Embora o Código Civil de 1916 não fizesse referência expressa aos danos morais, o que é compreensível pela época de sua edição, é certo que o direito a indenização por dano moral já encontra-se há algum tempo integrado em nosso direito positivo.

A ordem constitucional vigente a partir de 1988, contempla expressamente no Art. 5º, inciso V e X, direito à indenização por dano moral.

Igualmente a LEI Nº 8.078, DE 11.09.1990 (Código de Defesa do Consumidor) abarca a efetiva prevenção e reparação por danos morais (Art. 6º, incisos VI e VII).

Nesse sentido não enxergamos pela simples inclusão do dano moral na tipificação do ato ilícito (Art. 186, da LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002) fator de modificação radical na legislação pátria a justificar alterações na regulamentação securitária que, como é cediço, contempla a possibilidade de contratação de seguro de responsabilidade civil para garantia de indenização proveniente de danos morais causados a terceiros pelos segurados.

5. A PRESCRIÇÃO NO NOVO CÓDIGO CIVIL E SEUS EFEITOS NO MERCADO SEGURADOR.

Dispõe a LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, em seus artigos 192, 200, 205 e 206, verbis:

“Art. 192 - Os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes.

Art. 200 - Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não ocorrerá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva.

Art. 205 - A prescrição ocorre em 10 (dez) anos quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

Art. 206 - Prescreve:

§1º - Em um ano:

............................................................................................

II - a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo:

............................................................................................

a) para o segurado, no caso do seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data em que a este indeniza, com a anuência do segurador;

b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;

§3º - Em três anos:

............................................................................................

V - a pretensão de reparação civil

............................................................................................

IX - a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório.”

Para melhor compreensão do tema, reportamo-nos, aqui, ao nosso trabalho, onde enfocamos que “um dos institutos que mais repercussão provoca no mundo das relações jurídicas é, sem sombra de dúvida, o da prescrição. Seu fundamento maior baseia-se na idéia de que o tempo tem o condão de consolidar ou desfazer a eficácia de todos os atos jurídicos, razão pela qual identificam-se duas modalidades prescricionais: a aquisitiva, aplicável ao direito das coisas, também chamada de usucapião e a extintiva, incidente em todos os campos do direito e que parte do pressuposto de que a eternização do direito subjetivo seria motivo de intranqüilidade social comprometendo, dessarte, a segurança das relações jurídicas.

Nunca é demais acrescentar que, se o instituto da prescrição nasceu da necessidade da sociedade em pôr termo a determinadas situações pelo próprio decurso do tempo, seja ela aquisitiva ou extintiva, é tendência do direito moderno a fixação de prazos prescricionais mais exíguos, o que se explica, como bem coloca SANTIAGO DANTAS (Programa de Direito Civil, Forense, 2001), não só pela celeridade da doutrina jurídica moderna, que obriga a segurança a se estabelecer dentro do lapso mais curto, como também pela facilidade de divulgação de que a vida jurídica hoje dispõe, a permitir que as pessoas conheçam mais rapidamente quais as situações criadas e quais as defesas que devem lançar mão.”

Nessa linha se pautou a LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002 ao reduzir sensivelmente os prazos prescricionais, atento o legislador pátrio que o ingresso do homem na era da comunicação tornou as distâncias infinitamente menores e o próprio mundo reduzido, não havendo, pois, razão de ordem fática a justificar prazos prescricionais alongados, como eram aqueles estabelecidos pelo Código de 1916.

Nessa ordem de idéias, ao contrário do que sustenta o consulente, entendemos que a prescrição trienal estabelecida pelo inciso IX, §3º do Art. 206, alcança os beneficiários de todos os contratos de seguro e não apenas os abrigados pelos seguros de responsabilidade civil obrigatórios.

Aliás, como já abordamos no item - 3 ATOS ILÍCITOS E O SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL –, o seguro DPVAT não nos parece um seguro de responsabilidade civil, razão pela qual os beneficiários mencionados na Lei nº 6.194/74 e na Resolução CNSP nº 56/2001 não se enquadram na categoria de beneficiário de seguro de responsabilidade civil obrigatório.

Note-se, em reforço a essa posição, que a Resolução CNSP nº 01/82, que trata do seguro obrigatório de responsabilidade civil dos transportadores, menciona expressamente as “perdas e danos sofridos pelos bens ou mercadorias pertencentes a terceiros e que lhe tenham sido entregues (ao segurado) para transporte por rodovia...”.

Portanto, em perfeita consonância com tal entendimento encontrase o disposto no Art. 788, verbis:

“Art. 788 - Nos seguros de responsabilidade legalmente obrigató­rios, a indenização por sinistro será paga pelo segurador diretamente ao terceiro prejudicado.”

Cabe esclarecer, ainda, ponto suscitado pelo consulente em relação ao desaparecimento de pessoa, cujas circunstâncias não permitiram a declaração de morte presumida, nos termos do Art. 7º do Código Civil e, por ser aquela segurada numa apólice de vida, seus beneficiários só teriam direito ao capital segurado após dez anos do desaparecimento.

Para melhor entendimento do tema, vale transcrever os seguintes dispositivos na LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002:

“Art. 6º - A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura da sucessão definitiva.

Art. 22 - Desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela haver notícia, se não houver deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens, o juiz, a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público, declarará a ausência, e nomear-lhe-á curador.

Art. 26 - Decorrido um ano de arrecadação dos bens do ausente, ou, se ele deixou representante ou procurador, em se passando três anos, poderão os interessados requerer que se declare a ausência e se abra provisoriamente a sucessão.

Art. 37 - Dez anos depois de passada em julgado a sentença que concede a abertura da sucessão provisória, poderão os interessados requerer a sucessão definitiva e o levantamento das cauções prestadas.”

Observe-se que a hipótese de decretação de morte presumida com declaração de ausência já era prevista no Código Civil de 1916, nos Arts. 463, 481 e 482, sendo que o prazo para abertura da sucessão definitiva era de vinte anos contados do trânsito em julgado da sentença que concedera a abertura da sucessão provisória.

Por não haver, na legislação pretérita dispositivo correspondente ao atual artigo 7º, que permite a declaração de morte presumida, sem decretação de ausência, situações extremamente desconfortáveis tinham lugar, sem que se pudesse obter o registro de óbito e, conseqüentemente, produzir os efeitos legais que lhe são decorrentes.

Em socorro de tais situações veio a jurisprudência pátria:

“ASSENTO DE ÓBITO - Justificação - Considera-se morte presumida, de modo a admitir a justificação para o assento de óbito, prevista na Lei 6.015/73, quando as circunstâncias em que aconteceu o acidente dão a certeza de que a pessoa desaparecida veio a falecer.” (Art. 781/228)

O que se nota, portanto, é que o legislador da LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, a partir do novel instituído no Art. 7º, em boa hora apartou das situações de ausência, os casos onde é extremamente provável, pelas circunstâncias do ocorrido, que a morte tenha, de fato, se dado.

Por outro lado, foram reduzidos pela metade os prazos para presunção da morte dos ausentes, mantendo-se, todavia, o procedimento anterior relativo à sucessão provisória, sendo certo que as cautelas da lei dizem respeito a situações onde, ao contrário da hipótese do Art. 7º, não induzem prima facie a conclusão de morte da pessoa natural.

6. AS REGRAS DE TRANSIÇÃO DOS PRAZOS PRESCRICIONAIS NAS APÓLICES À BASE DE OCORRÊNCIAS

Ainda em relação aos prazos prescricionais introduzidos pela LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002 para os contratos de seguro, é suscitada dúvida em relação às regras de transição para aplicação da nova lei.

Como já afirmamos em trabalho retromencionado, “matéria extremamente candente, em sede de prescrição, diz respeito à possibilidade de se dar efeito retroativo à lei que modifica, para mais ou para menos, de determinado prazo prescricional.

Sobre o tema, já cristalizou-se a jurisprudência através da súmula 445 do Pretório Excelso, in verbis:

“Súmula 445

A Lei nº 2437, de 07.03.1955, que reduz prazo prescricional, é aplicável às prescrições em curso na data de sua vigência (01.01.1956), salvo quanto aos processos então pendentes.”

Embora tratando a citada lei da chamada prescrição aquisitiva, depreende-se do posicionamento do Ministro relator que não há que se falar em direito adquirido em sede prescricional, mas tão-somente em expectativa de direito, como bem observa ROBERTO ROSAS:

“A Lei nº 2437 reduziu o prazo prescricional para aquisição pelo usucapião de 30 para 20 anos. Discutiu-se, então, se o dispositivo legal seria aplicável às prescrições aquisitivas em curso.

Acentuou o Ministro Pedro Chaves que o prazo em curso não é intangível, pois enquanto flui, não confere ao prescribente senão mera expectativa, razão pela qual pode ser modificado pela lei nova, diminuído ou aumentado (EQE nº 51.215)”.

É bem de ver que tal posição encontra-se hoje mitigada pela jurisprudência daquela própria Corte, porquanto os conflitos de direito intertemporal, relativos à prescrição, merecem reflexão mais profunda, eis que a adoção da lei nova que reduz o prazo prescricional, incluindo-se aí o período de fluência ocorrido sob o manto da lei anterior, sempre pode gerar impacto socialmente negativo ao tornar imediatamente prescrita uma determinada pretensão à qual, antes, incidia prazo mais longo.

A LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002 (Novo Código Civil), em suas disposições transitórias, observa, no Art. 2.028, que serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

Embora não explicitando, é de se presumir que a nova lei civil incidirá sobre os prazos não albergados pela hipótese do Art. 2.028, reiniciando a contagem do prazo por ela reduzido a partir de sua vigência.”

Em relação à dúvida suscitada, é certo que para um sinistro ocorrido em 1998, coberto pelo DPVAT, a vítima que formula a reclamação em 12/01/2006 terá sua pretensão fulminada pelo lapso prescricional trienal, que teve sua contagem iniciada a partir de 11/01/2003, não devendo se olvidar, “in casu”, que essa vítima teve, em verdade, oito anos para opor sua pretensão.

7. A QUESTÃO DAS APÓLICES À BASE DE RECLAMAÇÕES. VALIDADE DA “CLÁUSULA CLAIMS MADE” À LUZ DO NOVO CÓDIGO

Retoma-se, em sede deste trabalho, discussão que já a algum tempo vem tendo assento nos meios securitários.

Trata-se das apólices à base de reclamações, também conhecidas como apólices claims made, muito utilizadas no seguro de responsabilidade civil, que levam em conta não os sinistros ocorridos na vigência do contrato de seguro, mas sim as reclamações do segurado e ou de terceiro.

Em documento divulgado pela FENASEG, constante às fls. 6/11, do processo SUSEP Nº 15414.006360/2002-09, são apontadas duas situações distintas que se apresentam, em termos de claims made, no contexto do clausulado brasileiro:

“1ª Situação - a última apólice claims made, a qual não será renovada com aquela determinada seguradora, responderá automaticamente, sem qualquer cobrança de prêmio adicional pelos sinistros reclamados por terceiros ao Segurado durante os próximos 60 dias, a partir do término da vigência da referida apólice. E, no desdobramento da cláusula, a apólice admitirá, ainda de forma automática e gratuita, o pagamento de indenizações relativas a sinistro que venham a ser efetivamente reclamados ao Segurado por terceiros, nos próximos 5 anos, desde que o Segurado tenha Notificado à Seguradora, dentro dos mesmos 60 dias que se seguiram ao vencimento da apólice, os incidentes ocorridos e que poderiam, de fato, ser objeto de uma reclamação futura de sinistro;

2ª Situação: considerando-se que os prazos indicados acima e constantes do clausulado padrão da apólice claims made são limitados, até mesmo pela automaticidade e gratuidade dos mesmos, o texto da apólice prevê ainda uma segunda situação, agora onerosa, pois que importará em pagamento de prêmio adicional pelo Segurado. Tal situação refere-se à possibilidade da Suplementação do Prazo de Reclamação, quando então deixarão de existir os prazos “decadenciais” de 60 dias e 5 anos descritos na situação primeira anterior e passando a apólice a garantir todas as reclamações apresentadas de acordo com o prazo prescricional legal, a partir do término de vigência da mesma e obviamente em relação a sinistros ocorridos dentro do prazo de vigência da apólice, incluindo a retroatividade da mesma se houver. A adoção do Prazo Suplementar para Reclamações, evidentemente, não amplia o prazo de vigência da apólice, o qual continuará intacto e sim e tão-somente o prazo para as reclamações dos sinistros ocorridos dentro daquela vigência. É necessário ressaltar, pois que é essencial, que a concessão do Prazo Suplementar para Reclamação não é uma prerrogativa discricionária da Seguradora e sim uma obrigação contratual da mesma, já que o clausulado brasileiro determina no seu contexto e mais precisamente no subitem 2.2. da cláusula pertinente a sua outorga obrigatória, diante da seguinte redação: “que mediante pagamento de prêmio adicional e adoção de cláusula especial, será concedido pelo presente contrato”... Todavia, cabe ao segurado solicitá-lo à Seguradora, dentro do prazo de até 60 dias do término de vigência da apólice.”

Aponta, ainda, o indigitado documento da FENASEG:

“A apólice de reclamações acoberta os sinistros ocorridos e reclamados durante a sua vigência e também os ocorridos anteriormente e que eram desconhecidos pelo Segurado. Esta retroatividade de cobertura (Retroactive Period), evidentemente, tem condições pré-estipuladas no texto de cobertura do contrato e somente se aplica em apólices de reclamação, a partir da primeira renovação do seguro.”

E, ao final, conclui a FENASEG:

“É fundamental a renovação sistemática da apólice de reclamações em uma mesma seguradora pois, a transferência do seguro de uma Companhia para a outra, poderá redundar na não aceitação por parte da nova seguradora, do período de retroatividade de cobertura já existente, devendo, no caso, ser suplementado o prazo da última apólice, com custos adicionais para o segurado, conforme já foi comentado anteriormente. Tal questão, obviamente, negociada caso a caso, poderá apresentar tratamento diferenciado.”

A validade da chamada cláusula claims made, é bom que se diga, já fora questionada pela Secretaria de Direito Econômico, do Ministério da Justiça, que, através da PORTARIA MJ/SDE Nº 003, DE 15.03.2001, portanto antes da vigência da LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, considerou a cláusula abusiva e lesiva ao consumidor.

Primeiramente cabe verificar, à luz dos princípios basilares do seguro, particularmente no que concerne à doutrina e ao direito positivo pátrio, se o clausulamento da claims made encontra-se ao abrigo dos conceitos de juridicidade e licitude. Atente-se que, para tal, consideramos como juridicidade à adequação ao ordenamento legal e infra-legal pertinente e licitude a incorporação de conteúdos éticos e padrões de conduta exigíveis a um mercado que opera em atividades inteiramente reguladas e, assim, consideradas de ordem pública.

Registre-se, “ab initio”, o magistral conceito de PEDRO ALVIM que define o risco segurável como o acontecimento possível, futuro e incerto, ou de data incerta, que não depende somente da vontade das partes.

A partir daí, erige-se a importância do instituto do seguro, na medida em se permita que o risco, tal como definido por ALVIM, seja transferido para determinadas entidades que, através de mecanismos complexos e tecnicamente requintados, assumem a responsabilidade de cobrir, financeiramente, os prejuízos, os dissabores, os pesares, as incapacidades e demais infortúnios causados pela concretização do risco (sinistro) àqueles que buscam tal proteção através da avença securitária.

Assim, por ser o risco, transferido para o segurador, evento futuro e incerto, nos parece que padece de juridicidade a cláusula claims made, mormente quando se observa que a apólice à base de reclamação acoberta sinistros ocorridos anteriormente à sua vigência, ainda que desconhecidos pelo segurado.

Observe-se que o próprio legislador, atento a tal princípio, cuidou de vedar a contratação de riscos expirados, conforme disposto no Art. 773, da LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, verbis:

“Art. 773 - O segurador que, ao tempo do contrato, sabe estar passado o risco de que o segurado se pretende cobrir, e, não obstante expede a apólice, pagará em dobro o prêmio estipulado.”

No pertinente à licitude também não nos sentimos confortáveis para validar cláusula que induza o segurado a renovação sistemática na mesma seguradora. Tais situações, se ocorrem, devem se dar pela eficiência e competência empresarial e nunca por mecanismos sutis e escamoteados que forcem o consumidor a adquirir serviço de um único fornecedor.

Sob outro ângulo de enfoque, a estrutura da cláusula claims made não resiste a cotejamento com as regras prescricionais trazidas ao mundo jurídico pela nova lei substantiva.

Primeiramente é de registrar que os prazos de 60 dias e 5 anos descritos na apólice não são, ao contrário do que afirma a FENASEG, decadenciais, mas prescricionais eis que as pretensões por eles contempladas, a serem deduzidas em juízo, têm natureza condenatória.

Essa é a linha adotada pela LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, na esteira do critério proposto por AGNELO AMORIM FILHO, segundo o qual “quando a pretensão a ser deduzida em juízo for de natureza condenatória, bem como as de execução dessas pretensões, o prazo previsto em lei para o seu exercício é de prescrição. Nasce a pretensão com a violação do direito e o titular pode exigir uma prestação do devedor. Assim, as ações condenatórias de indenização, de perdas e danos (materiais e morais), condenatórias de obrigação de fazer ou não fazer, de cobrança, de execução de honorários profissionais etc., todas essas sujeitam-se a prazos de exercício que são de prescrição. Aplicam-se a esses prazos, portanto, o regime jurídico previsto no C.C. 189 a 206. Por outro lado, o prazo previsto expressamente na lei, para o exercício das pretensões que se ajuízam mediante ação constitutiva, positiva ou negativa, é de decadência, pois a pretensão constitutiva se caracteriza como direito potestativo. Salvo as anulatórias, as pretensões deduzidas em juízo por meio de ação constitutiva, sem prazo de exercício previsto em lei, são perpétuas (imprescritíveis), podendo ser ajuizados a qualquer tempo, “verbi gratia” a negatória de paternidade. Quando a pretensão for exercitável mediante ação anulatória (constitutiva negativa), cuja anulabilidade esteja expressa na lei que, contudo, não fixa prazo para o exercício dessa pretensão, aplica-se a regra subsidiária do C.C. 179, segundo a qual o prazo decadencial para o exercício dessa pretensão é de dois anos. As pretensões que se exercem mediante ação declaratória são perpétuas (imprescritíveis). Isto significa que podem ser ajuizados mesmo se já estiver prescrita a pretensão condenatória do direito cuja existência ou inexistência se quer ver declarada.”

Desse modo, as modificações prescricionais instituídas pela apólice de claims made afrontam diametralmente o disposto no Art. 192, do LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, verbis:

“Os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes.”

Por todo exposto, é de se concluir pela inviabilidade jurídica das apólices à base de reclamações.

A questão relativa a eventual devolução de prêmio, por diminuição de risco (Art. 770, C.C.), para segurados que contrataram prêmio adicional para cobrir reclamações por prazo de vinte anos, deve ser levada ao Poder Judiciário, eis que não tem a SUSEP competência para retirar valores do patrimônio do devedor para satisfazer crédito de segurado, o que somente o titular da jurisdição pode fazê-lo.

8. RESPONSABILIDADE CIVIL E CRIMINAL. A REGRA PRESCRICIONAL DO ART. 200

Dispõe a LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002 nos Arts. 200 e 935, verbis:

“Art. 200 - Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva.

Art. 935 - A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.”

A regra insculpida no Art. 200, da LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, é de natureza extremamente prudencial, eis que o prazo prescricional para reparação civil, que era vintenário na lei anterior, passou para três anos na nova lei (Art. 206, §3º, V).

Como bem observa NELSON NERY JUNIOR, “a coisa julgada penal não interfere na área civil. Absolvição do réu no processo penal, por exemplo, não significa automaticamente liberação de responder na esfera civil. O direito penal exige a culpa em sentido estrito para a condenação, enquanto o direito civil sanciona o devedor que tenha agido com culpa, ainda que no grau mínimo. Assim, pode o réu ser absolvido no processo penal por falta de provas (CPP 386, VI) e responder ação civil e ser condenado a indenizar pelo mesmo fato.”

Por outro lado sendo o segurado pessoa jurídica, esta responde objetivamente pelos atos dos prepostos, o que vale dizer que basta demonstrar o nexo de causalidade entre o dano sofrido pela vítima e o ato praticado pelo segurado para dar ensejo a obrigação de indenizar. Neste caso, entendemos que a ação proposta pela vítima independe de apuração criminal, razão pela qual não se aplica a regra prescricional do Art. 200, da LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002.

Quanto aos demais casos, em que as apólices de seguros cubram eventos cujo deslinde mereça apuração no juízo criminal, como bem asseverou o consulente, não correm os prazos prescricionais do Art. 206, portanto sem procedência qualquer negativa da seguradora por alegação de prescrição.

É também de crucial importância, para a operacionalidade dos contratos de seguro, o esclarecimento da questão suscitada, às fls. 24, no tocante ao alcance da regra prescricional inserta no Art. 206, §1ª, II, “b”, que define o momento em que se inicia a contagem do prazo.

Dispõe o referido artigo que prescreve em um ano a pretensão do segurado contra o segurador, contado o prazo da ciência do fato gerador da pretensão. É certo que tal dispositivo deve ser observado à luz do disposto no Art. 199, II, verbis:

“Art. 199 - Não corre igualmente a prescrição:

............................................................................................

II - não estando vencido o prazo”.

Imperativo igualmente a verificação do disposto no Art. 189, verbis:

“Art. 189 - violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os Arts. 205 e 206.”

É certo, como bem afirma RICARDO BECHARA SANTOS “que sendo o sinistro o fato gerador da pretensão do segurado, da sua ciência é que deverá correr a prescrição, presumindo-se o conhecimento pelo segurado se ele próprio é quem promove o fato danoso (caso DPVAT), ou de qualquer forma com ele se envolveu.”

No caso em tela, tendo a fraude ou desvio de recursos ocorrido dentro da própria instituição bancária segurada é razoável que o seu conhecimento, ou seja a ciência de fato gerador da pretensão, presumidamente se dá no momento do sinistro. Daí, tem o segurado, ainda, um ano, a partir do vencimento da apólice, para reclamar sua pretensão.

Embora a regra do Art. 771, segundo a qual “sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as conseqüências”, não ofereça solução efetiva para a questão relativa ao momento de início de contagem do prazo prescricional, pode-se extrair a interpretação, sujeita sempre a melhor exame, que em qualquer modalidade securitária a ciência do fato gerador da pretensão, à exceção do seguro de responsabilidade civil, se dá presumivelmente quando da ocorrência do sinistro, inclusive nos seguros de pessoa, contando-se o início do prazo prescricional a partir do vencimento da apólice, com um ano para o segurado e três anos para o beneficiário, vedada qualquer cláusula, na apólice, que implique em alteração destes prazos.

É sempre bom esclarecer que quando afirmamos que a ciência do fato gerador se dá ao tempo da ocorrência do sinistro estamos a dizer que forma-se, em favor do segurador, presunção “juris tantum”, vale dizer que admite prova em contrário, todavia transferindo-se, na hipótese, o ônus probandi para o segurado/beneficiário a quem caberá demonstrar, quando for o caso, as razões que o impediram de tomar conhecimento do sinistro.

9. A CONTRATAÇÃO ELETRÔNICA E O NOVO CÓDIGO CIVIL

Dispõe a LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, em seu Art. 225, verbis:

“Art. 225 - As reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fotográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão.”

A questão levantada pelo consulente, de extrema pertinência, ressalte-se, diz respeito à validade jurídica dos documentos eletrônicos, particularmente no que concerne às contratações de produtos securitários.

Para enfrentar o tema reproduziremos aqui parte do texto de nossa palestra, realizada no WORKSHOP SUL AMÉRICA, Rio de Janeiro, em 19/11/2002, cujo escopo foi abordar os aspectos legais que envolvem a segurança e a assinatura eletrônica, bem como a visão da SUSEP em relação ao tema “venda de seguros e previdência na Internet”

A Materialidade e a Força Probante do Documento Eletrônico

A grande indagação que se coloca, no exame do comércio eletrônico, é saber se o documento eletrônico é meio apto a produzir direitos e obrigações entre as partes e, em caso positivo, a partir de que momento ele se aperfeiçoa.

É comum o pensamento de que, por não ser algo palpável, não estaria o documento eletrônico apto a produzir efeitos jurídicos.

Tal entendimento nos parece totalmente equivocado eis que, como já se viu, a partir do advento da INTERNET não há como se deixar de concluir que o documento eletrônico é tão válido como qualquer outro documento existente no mundo fático.

Oportuna, aqui, a lição de VICENTE GRECO FILHO:

“O documento liga-se à idéia de papel escrito. Contudo, não apenas os papéis escritos são documentos. Documento é todo o objeto do qual se extraem fatos em virtude da existência de símbolos, ou sinais gráficos, mecânicos, eletromagnéticos etc. É documento, portanto, uma pedra sobre a qual estejam impressos caracteres, símbolos ou letras; é documento a fita magnética para reprodução por meio de aparelho próprio; o filme fotográfico etc.”

O código de Processo Civil, ao tratar da prova, dispõe no Art. 332, verbis:

“Art. 332 Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”.

Mais especificamente, ao tratar da prova documental, dispõe a lei adjetiva:

“Art. 383 - Qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, cinematográfica, fonográfica ou de outra espécie, faz prova dos fatos ou das coisas representadas, se aquele contra quem foi produzida lhe admitir a conformidade.

Parágrafo único - Impugnada a autenticidade da reprodução mecânica, o juiz ordenará a realização de exame pericial.”

Ressalta-se que a LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002 reconhece explicitamente a via eletrônica como meio de prova, consoante o Art. 225, já transcrito.

Conclui-se, dessarte, que o documento eletrônico, por atender aos requisitos estabelecidos na lei adjetiva e substantiva e, ainda, ao enquadramento doutrinário de VICENTE GRECO FILHO, tem plena validade como meio através do qual os fatos nele contidos poderão servir de prova, quando levados à cognição do Poder Judiciário.

Do ponto de vista da materialidade, o contrato é uma espécie, do gênero negócio jurídico, podendo-se afirmar que é um negócio jurídico bilateral que resulta do encontro de duas declarações de vontade.

Assim, quando as declarações de vontade de duas ou mais pessoas demonstram um consenso sobre os elementos essenciais do negócio, pode-se afirmar que o contrato ingressa no mundo jurídico, passando a existir juridicamente.

Nessa linha, os contratos eletrônicos devem ser compreendidos como uma nova modalidade da espécie contrato, portanto a eles aplicáveis todas as regras e princípios que regem os contratos em geral, segundo a sistemática da lei substantiva.

Os requisitos de validade dos contratos são de duas espécies:

a) de ordem geral, comuns a todos os atos jurídicos; dizem respeito à capacidade do agente, à licitude do objeto e à forma prescrita ou não defesa em lei.

b) de ordem especial, que são específicos dos contratos, tais como a autonomia da vontade e o consentimento recíproco.

Em sede contratual estabeleceu-se uma dicotomia doutrinária quanto à essencialidade da forma. A corrente formalista entende que a forma é da substância do ato e a sua inobservância torna inexistente o contrato. Os consensualistas, por seu turno, proclamam que o contrato nasce do consenso das vontades, sendo a forma apenas um elemento a provar a sua existência.

O legislador pátrio fez nítida opção pelo princípio do consensualismo, ao consagrar a tese de que na interpretação das manifestações de vontade deve-se atender mais à intenção dos contraentes, ou seja, àquilo que as partes efetivamente pretenderam, do que ao sentido literal da linguagem.

Tal princípio encontra-se insculpido no Art. 85, do Código Civil de 1916 e foi reproduzido no Art. 112 da LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002.

Não resta dúvida de que os contratos comerciais, bem como quaisquer atos jurídicos praticados através dos meios eletrônicos, como regra geral e desde não seja exigida forma especial, por força de lei expressa nesse sentido, são plenamente válidos, uma vez que inexiste, em nosso direito positivo, dispositivo que subtraia dos meios eletrônicos a capacidade de criar vínculos obrigacionais.

A Contratação Eletrônica e o Contrato de Seguro

Como já se observou, os contratos comerciais de natureza consensual são plenamente conciliáveis com os meios eletrônicos de contratação, ficando a exceção para aqueles em que a formalidade é da substância do ato, tal como ocorre com os solenes, estes portanto incompatíveis com a contratação eletrônica.

Cabe verificar, pois, se o contrato de seguro é de natureza sensual ou solene.

Segundo o magistério de ADAUCTO FERNANDES “são consen­suais os contratos em que o consentimento das partes é o bastante para a sua formação. Nestes contratos a obrigação nasce da relação, isto é, do “vinculo iuris”, oriundo da unidade do consentimento, expressão maior daquilo que as partes resolvem acordar livremente. É desse acordo que nasce o conceito de responsabilidade civil para as partes obrigadas.”

O Código Civil de 1916, ao tratar do contrato de seguro, dispõe em seu Art. 1433:

“Art. 1433 - Este contrato não obriga antes de reduzido a escrito, e considera-se perfeito desde que o segurador remete a apólice ao segurado, ou faz nos livros o lançamento usual da operação.”

PEDRO ALVIM, cuja obra é de visitação obrigatória a todos aqueles que se interessem pelo direito securitário, filia-se nitidamente à corrente consensualista para o contrato de seguro, entendendo que “as formalidade assinaladas decorrem do acordo de vontades e pressupõem a existência do contrato, tendo por finalidade exclusiva sua comprovação. São portanto “ad probationem” e não “ad substanciam”.”

Acentua, ainda, o grande mestre dos seguros que “as formalidades ainda consignadas pela codificação mais antiga são desnecessárias para o seguro moderno que dispõe de outros meios eficientes e rápidos para sua comprovação, eis que tais operações podem ser concluídas até mesmo pelo telefone, desde que seguidas de um documento hábil”.

LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002 adota de forma mais explícita o princípio consensualista para o contrato de seguro, conforme se depreende do Art. 758, verbis:

“Art. 758 - O contrato de seguro prova-se com a exibição da apólice ou do bilhete do seguro, e, na falta deles, por documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio.”

Em abono a tese do consensualismo, é bom lembrar que o Pretório Excelso já consagrou jurisprudência nesse sentido. (RE - 71845 - CE)

Também o egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no julgamento da Apelação Cível nº 3842/86, trilhou no mesmo sentido:

“.... É pacífico na doutrina e na jurisprudência que o contrato de seguro não se inclui entre os contratos solenes. Embora a lei esteja redigida em termos de fazer presumir a vinculação de sua eficácia à forma escrita, em verdade esta não é da substância do contrato, senão como forma ad probationem tantum (Orlando Gomes, Contratos, nº 341, 6º edição), o que significa dizer que a existência do contrato de seguro pode ser demonstrada por qualquer outro meio de prova, como sejam recibos do prêmio pago, correspondência epistolar ou telegráfica e, ainda, pelos lançamentos que o segurador faz em seus livros da operação...”

CONCLUSÃO

À luz de tudo aqui observado, não nos resta qualquer resquício de dúvida quanto à natureza consensual do contrato de seguro e, portanto, sua plena compatibilidade com os meios eletrônicos de contratação.

No entanto, também concordamos plenamente com a posição do insigne JOSÉ HENRIQUE BARBOSA MOREIRA LIMA NETO quando afirma que “o contrato de seguro pode ser firmado validamente via INTERNET, todavia, os demais procedimentos formais, acessórios ao exaurimento de tal contratação, devem continuar a ser realizados através dos meios tradicionais, tal como envio de proposta escrita e expedição de apólice, face à inexistência de regulamentação específica acerca da utilização de meio eletrônico para tais fins”.

Em outras palavras, no tocante ao contrato de seguro, temos que, hoje, o início das tratativas para a elaboração da proposta e mesmo o cálculo do risco podem ser efetuadas via INTERNET, sendo que, em seqüência, a formalização da avença deve seguir os mecanismos tradicionais.

Por derradeiro, é importante ressaltar que a Medida Provisória 2200, de 27/08/2001, instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas - ICP - Brasil para garantir a autencidade, a integridade e a validade jurídica de documentos de forma eletrônica.

Tal estrutura, de forma piramidal, introduz no vértice da pirâmide a Autoridade Certificadora Raiz - AC Raiz, primeira autoridade na cadeia de certificação, com competência para emitir, expedir, distribuir, revogar e gerenciar os certificados das Autoridades Certificadoras de nível imediatamente subseqüente ao seu.

Consoante o Art. 13, da Medida Provisória 2200/01, o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação é a Autoridade Certificadora Raiz da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira.

Nessa ótica, já se pode vislumbrar o credenciamento de uma Autoridade Certificadora, junto ao Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, no âmbito do Sistema Nacional de Seguros Privados, que funcionaria como uma espécie de cartório eletrônico, emitindo certificados digitais e vinculando pares de chaves criptográficas aos integrantes do sistema, tais como seguradoras, entidades abertas de previdência complementar, sociedades de capitalização etc.

A partir daí, uma vez implantado o sistema, já se poderia pensar em abolir as formalidades tradicionais, no meio securitário, eis que as propostas assinadas digitalmente e as apólices emitidas por via eletrônica passariam a ter plena validade jurídica.

10. CONTRATOS DE ADESÃO - RENÚNCIA ANTECIPADA DE DIREITOS

Dispõe a LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, em seu Art. 424, verbis:

“Art. 424 - Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.”

Aponta o consulente, às fls. 26, que “algumas seguradoras introduzem, nos seus contratos, cláusulas denominadas normalmente de elegibilidade, através das quais estipulam condições, “a posteriori”, para pagamento de eventual indenização”. Como exemplo é mencionado o seguro por perda de renda, onde a seguradora, na ocasião da assinatura do contrato, não efetua qualquer verificação, aceita o risco, cobra o respectivo prêmio e, ocorrendo o sinistro (demissão imotivada do empregado), só então verificará se o segurado possuía o tempo mínimo de vínculo empregatício para o pagamento da indenização.

Em princípio, os seguros para cobertura por perda de renda normalmente são realizados através de estipulação por companhias concessio­nárias de serviços públicos, que possuem uma grande massa de consumidores sob seu atendimento, tais como telefônicas, empresas fornecedoras de energia elétrica etc., que contratam o seguro para seus usuários/assinantes, objetivando a continuidade do fornecimento em caso de perda do emprego pelo usuário. Por outro lado, tais seguros só se viabilizam quando contratados sob a forma de adesão, uma vez que o custo administrativo necessário para uma análise prévia de cada risco, por parte da seguradora, inviabilizaria totalmente esta modalidade, que, frise-se, possui um valor de prêmio ínfimo em relação à conta de fornecimento normalmente emitida pelo estipulante.

De outro viés, é certo que sempre que a cobertura securitária é oferecida ao usuário, esta é feita em documento de cobrança apartado contendo a descrição do produto e o resumo das condições gerais do seguro, onde são incluídos os critérios de carência e elegibilidade.

Ao optar por contratar o seguro, o que configura-se com o pagamento de prêmio emitido em documento destacado, é de se presumir que o usuário tomou conhecimento da elegibilidade e demais condições constantes no anexo, razão pela qual não se percebe aí qualquer dispositivo, na contratação, que implique em renúncia antecipada de direito por parte do segurado aderente.

11. O AGENTE AUTORIZADO E O CORRETOR DE SEGUROS

Dispõem os Arts. 710 e 775, da LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, verbis:

“Art. 710 - Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculo de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada.

Parágrafo único - O proponente pode conferir poderes ao agente para que este o represente na conclusão do negócio.

Art. 775 - Os agentes autorizados do segurador presumem-se seus representantes para todos os atos relativos aos contratos que agenciarem.”

A questão jurídica trazida à reflexão não comporta maiores indagações.

A nova lei substantiva institui a figura do agente autorizado do segurador (Art. 775) como representante deste para todos os atos relativos aos seguros que agenciarem.

É certo que as sociedades seguradoras só podem receber propostas de seguros por intermédio de corretor habilitado ou diretamente, hipótese esta em que a comissão é recolhida à FUNENSEG (Arts. 18 e 19, da CIRCULAR SUSEP Nº 034, DE 18.05.1979).

Dessarte, as contratações de seguro onde a seguradora vier a utilizar seu agente autorizado se configurarão como colocação direta, devendo, pois, ser recolhida a importância, habitualmente cobrada a título de comissão, à FUNENSEG, nos termos da CIRCULAR SUSEP Nº 034, DE 18.05.1979.

12. PRAZO DE QUINZE DIAS PARA ACEITAÇÃO DA PROPOSTA

Dispõe a LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, nos Arts. 758 e 759, verbis:

“Art. 758 - O contrato de seguro prova-se com a exibição da apólice ou do bilhete do seguro, e, na falta deles, por documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio.

Art. 759 - A emissão da apólice deverá ser precedida de proposta escrita com a declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco.”

Como já observamos, anteriormente, o contrato de seguro é de natureza plenamente consensual, não sendo a apólice, bilhete ou pagamento do prêmio elementos essenciais da substância do ato, mas apenas formalidades cuja finalidade é comprovar a sua existência.

Consoante o disposto no Art. 759, a apólice, para ser emitida pelo segurador, deve ser precedida de proposta escrita contendo os elementos essenciais para exame e aceitação do risco. É certo que a apólice só será emitida se a proposta for aceita pelo segurador e é na apólice que constarão os riscos assumidos o início e o fim do contrato, o limite da garantia e o prêmio devido.

Por outro lado o recebimento da proposta pelo segurador, com quitação do prêmio, forma presunção, a favor do segurado, de que aquela foi efetivamente aceita, e ainda que falte a apólice, poderá o proponente alegar que o contrato se efetivou, provando-o pelo documento comprobatório do pagamento do prêmio.

Também não se pode afastar que, em relação ao aperfeiçoamento da avença securitária, é fundamental que o segurador, em tempo hábil, analise o risco para aceitá-lo ou não, sendo o prazo de quinze dias razoável para este fim.

O DECRETO Nº 60.459, DE 13.03.1967, que regulamenta o DECRETO-LEI Nº 073, DE 21.11.1966, dispõe em seu Art. 2º, in verbis:

“Art. 2º - A contratação de qualquer seguro só poderá ser feita mediante proposta assinada pelo interessado, seu representante legal ou corretor registrado, exceto quando o seguro for contratado por emissão de bilhete de seguro.

§1º - O início da cobertura do risco contará da apólice e coincidirá com a aceitação da proposta.

§2º - A emissão da apólice será feita até 15 dias da aceitação da proposta."

Portanto, para melhor resguardar o interesse das partes é de todo recomendável, e não visualizamos aí qualquer afronta à ordem jurídica, que se edite normativo determinando que, após a vistoria prévia, se for o caso, uma vez encaminhada a proposta, e com recibo de quitação do prêmio, terá início um período de 15 (quinze) dias, com cobertura condicional, no qual o segurador avaliará o risco, podendo recusá-lo ou não. Deve ainda constar no normativo que, em caso de recusa do risco, a cobertura condicional terá validade até quarenta e oito horas úteis, após a formalização da recusa pelo segurador, sendo que, nessa hipótese, quando da devolução do prêmio será descontado o período, “pro rata tempore”, em que vigorou a cobertura condicional.

A adoção de tal procedimento protegeria plenamente o interesse dos segurados, principalmente nos seguros de automóveis, vez que estariam garantidos por cobertura securitária durante o período de até 15 dias em que a proposta é analisada pelo segurador, inclusive quando a recusa ocorrer em vésperas de fins de semana ou feriados.

13. O CO-SEGURO E A POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA

Dispõe a LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002 em seu Art. 761, verbis:

“Art. 761 - Quando o risco for assumido em co-seguro, a apólice indicará o segurador que administrará o contrato e representará os demais, para todos os seus efeitos.”

Questiona-se, pela dicção do referido dispositivo, se estaria a LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002 a instituir a solidariedade entre a seguradora líder e os demais co-seguradores, nos riscos assumidos em co-seguro.

De plano, é de se salientar que os efeitos que a nova lei menciona são apenas os da representação, até porque a solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes (Art. 265, CC).

Vê-se, nessa ótica, que a operação de co-seguro é um partilhamento de risco efetivado entre duas ou mais seguradoras, que respondem tão-somente pela fração assumida, perante o segurado, embora uma delas, denominada líder, administre o contrato e represente as demais.

Maura de Fátima Bonatto e Cristiane Maria Vieria esclarecem com perfeição o tema:

“Co-seguro é o seguro relativo ao mesmo bem, realizado por dois ou mais seguradores cotizantes, denominados co-seguradores. É portanto, a distribuição de um seguro em três, duas, ou mais seguradoras.

Será emitida apólice pela seguradora líder, com a atribuição de receber proposta e emitir a apólice receber e distribuir o prêmio e, também, atender a liquidação em caso de sinistros.”

Nessa linha concluímos, pelo próprio conceito de co-seguro, onde se partilha o risco com a conseqüente divisão de responsabilidades entre as seguradoras envolvidas no negócio, que fica elidida qualquer possibilidade de se admitir, na espécie, a existência de solidariedade entre os partícipes.

14. MORA DO SEGURADO. CANCELAMENTO AUTOMÁTICO DA APÓLICE

Dispõe a LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, em seu Art. 763, verbis:

“Art. 763 - Não terá direito à indenização o segurado em mora no pagamento do prêmio, se ocorrer o sinistro antes de sua purgação.”

À luz da lei anterior, muito se discutiu, em sede doutrinária e judicial, acerca da hipótese de estando o segurado inadimplente ao tempo do sinistro, faria este jus à cobertura securitária ainda que proporcional as parcelas do prêmio até então pagas.

Em abono a tese favorável ao segurado inadimplente, foi editada a Circular SUSEP nº 67/98, estabelecendo critério proporcional de tempo, cujo escopo é dimensionar, pelo mínimo de parcelas pagas em relação ao período total de apólice, qual o período de cobertura teria direito o segurado, ocorrendo o sinistro estando aquele em mora.

As seguradoras, por seu turno, sempre resistiram a tal entendimento, ficando por conta dos tribunais a posição final sobre a controvérsia.

Registre-se o importante julgado, prolatado pelo egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ao tempo do Código de 1916, cuja ementa transcrevemos:

“Seguro - Cancelamento automático de cobertura pelo não pagamento do prêmio.

Constituída em mora a segurada antes do sinistro reclamado. Aplicação dos Arts. 1092, 1432 do Código Civil e 12, DECRETO-LEI Nº 073, DE 21.11.1966 e doutrina de Orlando Gomes e Ricardo Bechara Santos, valendo a cláusula de cancelamento automático do seguro como legítimo pacto comissório.

Apelo Improvido (Apelação Cível nº 24.276/2002 - Relator - Des. Severiano Aragão)”

Vale observar que no voto do relator, que mereceu unanimidade da 17º (Câmara Civil, o eminente julgador apontou que “é cediço, na doutrina, jurisprudência e na lei, que não solvido o prêmio em tempo hábil, o contrato de seguro fica automaticamente cancelado, independente de qualquer notificação, interpelação ou protesto”.

Não se pode olvidar que o tema é extremamente delicado e tem recebido tratamento divergente por parte da doutrina e da jurisprudência.

Para que melhor se perceba a mudança de enfoque trazida pelo novel legislativo, é preciso que se atente que o código de 1916 não contemplava regra correspondente, tratando apenas de hipótese de atraso no prêmio em caso de falência ou interdição do segurado, como se depreende do Art. 1451, verbis:

“Art. 1451 - Se o segurado vier a falir, ou for declarado interdito, estando em atraso nos prêmios, ou se atrasar após a interdição, ou a falência, ficará o segurador isento da responsabilidade pelos riscos, se a massa, ou o representante do interdito, não pagar antes do sinistro os prêmios atrasados.”

Portanto, poderia se concluir que, fora das hipóteses do Art. 1451, estaria o segurador obrigado a honrar a cobertura, em caso de sinistro, mesmo estando o segurado em atraso no prêmio.

O DECRETO-LEI Nº 073, DE 21.11.1966, em seu Art. 12, dispõe:

“Art. 12 - A obrigação do pagamento do prêmio pelo segurado vigerá a partir do dia previsto na apólice ou bilhete de seguro, ficando suspensa a cobertura do seguro até o pagamento do prêmio devido, antes da ocorrência do sinistro.”

Parágrafo único - Qualquer indenização decorrente do contrato de seguros dependerá de prova de pagamento do prêmio devido, antes da ocorrência do sinistro.”

O DECRETO Nº 60.459, DE 13.03.1967, que regulamenta o DECRETO-LEI Nº 073, DE 21.11.1966, dispõe em seus Arts. 6º e 7º, verbis:

“Art. 6º - A obrigação do pagamento de prêmio pelo segurado vigerá a partir do dia previsto na apólice ou bilhete de seguro, ficando suspensa a cobertura do seguro até o pagamento do prêmio e demais encargos.

§1º - O prêmio será pago no prazo fixado na proposta.

§2º - A cobrança dos prêmios será feita, obrigatoriamente, através de instituição bancária, de conformidade com as instruções da SUSEP e do Banco Central do Brasil.

§3º - Qualquer indenização decorrente do contrato de seguro dependerá de prova do pagamento do prêmio devido, antes da ocorrência do sinistro.

§4º - A ocorrência de sinistro no prazo de suspensão da cobertura não prejudicará a indenização, desde que pago o prêmio no prazo devido.

§5º - A falta de pagamento do prêmio no prazo previsto no §1º deste artigo determinará o cancelamento da apólice.

Art. 7º - A SUSEP disporá sobre as condições de fracionamento de prêmios de seguros.”

Em verdade, como se observa do texto do decreto, já intencionara o legislador punir a impontualidade do segurado negando a este a cobertura securitária na hipótese de inadimplência em relação ao prêmio.

Possibilitou, também, o legislador, o fracionamento do prêmio, entendendo que enquanto não pago este estaria suspensa a cobertura. É certo que tal hipótese diz respeito àquelas situações de fracionamento, porquanto não pagas todas as parcelas estaria suspensa a cobertura ainda que estando em dia o segurado. Ocorrendo o sinistro é devida a indenização, descontando-se do valor da cobertura as parcelas ainda não pagas do prêmio.

A Circular SUSEP nº 67/98, de acentuado sentido social, adotou a regra da tabela de curto prazo, determinando o pagamento proporcional da indenização, em caso de sinistro, mesmo quando do cancelamento da apólice por falta de pagamento do prêmio.

Portanto, a LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002 veio definitivamente pacificar a questão positivando a princípio de que o estando o segurado, inadimplente cancela-se automaticamente o contrato do seguro, devendo a Circular SUSEP nº 67/98 ser revisada, adequando-se seu conteúdo aos ditames da nova regra.

15. A ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA DA INDENIZAÇÃO E A MORA DO SEGURADOR

Dispõe a LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, em seu Art. 772, verbis:

“Art. 772 - A mora do segurador em pagar o sinistro obriga à atualização devida segundo índices oficiais regularmente estabelecido, sem prejuízo dos juros moratórios.”

Em boa hora veio o legislador disciplinar a situação da impontualidade do segurador no cumprimento de sua obrigação contratual, qual seja a do pagamento da indenização, quando da ocorrência do sinistro, dentro do prazo de 30 dias, estabelecido por norma, contado da entrega de todos os documentos exigidos para a liquidação.

ERNESTO TZIRULNIK, em excelente ensaio jurídico, observa que “o fim reintegrador (voltar para antes do dano) é sempre próprio do ressarcimento, seja ele relativo ao dano contratual ou extracontratual.”

É justamente essa natureza ressarcitória ou indenizatória que vai dar base ao chamado “princípio indenizatório”, segundo o qual não só o segurado não pode lucrar com a realização do risco que lesiona seu interesse, como também há se ser, nos limites pactuados, recolocado no estado em que se encontrava anteriormente à verificação do sinistro.

Essa função ressarcitória ou indenizatória, e a correlativa natureza da dívida do segurador como de valor e não de dinheiro, constitui outro verdadeiro e fundamental princípio regente da obrigação examinada, de reconhecimento unânime na doutrina e na jurisprudência de bom lastro.

O pagamento em dinheiro da prestação indenizatória a que se refere a lei (pagar em dinheiro o prejuízo), é importante insistir, constitui modo de solver e não elemento conformador do conteúdo da obrigação.

Lembra, ainda, aquele autor que “a jurisprudência brasileira reconhece, como sendo de valor a dívida indenizatória do segurador.” Confira-se o aresto do Supremo Tribunal Federal: “A prestação pertinente ao risco de que trata o contrato de seguro é de valor e não pecuniária” (Revista Trimestral de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, vol. 82, pg. 431).

Nesta ótica, por se tratar de dívida de valor, é de se depreender que a indenização devida pelo segurador deve ser atualizada monetariamente desde do momento em que se torna exigível, vale dizer da ocorrência do sinistro, salvo se a apólice expressamente estipular que a atualização incidirá, tão-somente, a partir da comunicação do aviso de sinistro.

Parece-nos, ainda, que a atualização monetária das obrigações do segurador, a teor do disposto no Art. 404 C.C., deve ser calculada segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, afastando-se, pois a utilização da Taxa Referencial (TR) pela sua flagrante inaplicabilidade à espécie.

Anote-se que, segundo o Colendo Supremo Tribunal Federal (ADIN nº 499/DF, Rel. Ministro Moreira Alves, DOU de 04/09/1992), a taxa referencial (TR) não é índice de correção monetária, pois não reflete a variação do poder aquisitivo da moeda.

Por outro lado, incorrendo o segurador em mora quanto ao pagamento da indenização, vale dizer expirado o prazo de 30 dias, após a entrega da documentação pelo segurado, ou seja o dies ad quem (termo final do prazo), sem que aquele tenha cumprido sua obrigação, são devidos juros moratórios, na forma do Art. 406 CC., verbis:

“Art. 406 - Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”

Por se configurar, em obrigação positiva e líquida, não há que se falar em interpelação judicial ou extrajudicial para constituição da mora do segurador, aplicando-se à hipótese o “caput” do Art. 397 CC: “o inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor.”

Comentando o citado dispositivo, NELSON NERY JUNIOR observa que “a norma cuida da mora automática, ou mora ex re, vale dizer, encontrar-se na própria coisa (in re ipsa), independendo de notificação ou interpelação para constituir-se o devedor em mora. O só fato do inadimplemento constitui o devedor, automaticamente, em mora.”

16. A RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA DA APÓLICE

Dispõe a LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, em seu Art. 774, verbis:

“Art. 774 - A recondução tácita do contrato pelo mesmo prazo, mediante expressa cláusula contratual, não poderá operar mais de uma vez.”

Preocupou-se o legislador da nova lei em estabelecer um limitador para as chamadas renovações automáticas, muito comuns em apólices coletivas administradas por estipulantes.

Dessarte, o novo dispositivo alberga uma única renovação automática, devendo as reconduções posteriores, se houver, serem celebradas de forma expressa, ficando certo que as apólices em curso, ao tempo da entrada em vigor da LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, que já encontravam-se além da primeira renovação, serão automaticamente canceladas após os respectivos vencimentos.

17. DO PAGAMENTO EM DINHEIRO DA OBRIGAÇÃO DO SEGURADOR

Dispõe o Art. 776, da LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, verbis:

“Art. 776 - O segurador é obrigado a pagar em dinheiro o prejuízo resultante do risco assumido, salvo se convencionada a reposição da coisa”

Como já observamos no item 15 (A ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA DA INDENIZAÇÃO E A MORA DO SEGURADOR) é a natureza ressarcitória do contrato de seguro que vai dar origem ao princípio indenizatório que preside a relação entre o segurador e o segurado, segundo o qual não pode o segurado extrair lucro ou vantagem com a ocorrência do sinistro, mas, simplesmente, deve ser colocado na situação em que se encontrava antes do evento danoso.

A regra é a indenização em moeda corrente e qualquer convenção em sentido diverso deve constar expressamente na apólice. Na hipótese do contrato de seguro contemplar as duas situações (pagamento em dinheiro ou reposição da coisa), silenciando quanto à escolha, esta cabe ao devedor/segurador, nos termos do Art. 252, CC.

Portanto, é de toda a conveniência, como medida de proteção ao segurado, que a SUSEP edite normativo obrigando as seguradoras a fazer constar nas apólices cláusulas expressa estipulando, em caso de obrigações alternativas (pagamento em dinheiro ou reposição da coisa), que a escolha caberá ao segurado.

Por fim, exercendo o segurado a opção da reposição da coisa e realizando a seguradora o cumprimento de sua obrigação, ou seja, repondo o bem sinistrado ao credor, dando este plena, rasa e geral quitação quanto ao cumprimento do contrato, não há que se falar em vulneração ao Art. 781, do código, eis que é presumível que a reposição do bem recolocou o segurado na situação em que se encontrava anteriormente ao sinistro.

Registre-se que a regra em comento foi instituída em favor do segurador, homenageando o já mencionado “princípio indenizatório”, valendo, na hipótese, o brocardo “não há nulidade sem prejuízo”.

18. DO SEGURO DE DANO

Dispõe a LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, em seus artigos 778, 781, verbis:

“Art. 778 - Nos seguros de dano, a garantia prometida não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento da conclusão do contrato, sob pena do disposto no Art. 766, e sem prejuízo da ação penal que no caso couber.

Art. 781 - A indenização não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento do sinistro, e, em hipótese alguma, o limite máximo da garantia fixado na apólice, salvo em caso de mora do segurado.”

Assim é assente na doutrina que o contrato de seguro apresentase como um mecanismo de ressarcimento ao segurado pelo prejuízo causado pelo sinistro, sendo este nada mais do que a concretização do risco. Decorre daí, como já se viu, o princípio maior a presidir a avença securitária, qual seja a de que não pode o segurado vir a lucrar com o seguro, como se infere dos Arts. 778 e 781, da LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002.

É importante ressaltar que o tratamento dado ao tema pelo Art. 781, que, frise-se, de excelente técnica redacional, impôs dois limitadores intransponíveis, no seguro de dano, para efeito da indenização:

a) valor do prejuízo, ou seja o valor do interesse segurado no momento do sinistro

b) e maior o prejuízo, prevalece o valor ajustado na apólice como limite máximo de indenização.

Fica suficientemente claro, portanto, que o seguro de dano caracteriza-se como contrato eminentemente patrimonial, de natureza indenitária, cujo objetivo é garantir a reposição do bem ou interesse econômico lesionado pelo sinistro.

Inquestionável, pois, que o Art. 781, da nova lei substantiva, restaurará plenamente o conceito de valor de mercado, particularmente no seguro de automóveis nos casos de indenização por perda total, que vinha sendo interpretado de forma equivocada por muitos.

À luz dos limitadores impostos pela nova lei fica afastada qualquer possibilidade de se vir a celebrar contrato de seguro por valor determinado, salvo quanto aos bens cuja natureza não permita aferição em mercado.

Nessa ótica, impõe-se, de plano, a revisão da Circular SUSEP nº 145/2000, por total inadequação a LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, devendo, todavia, serem respeitadas as apólices celebradas ao tempo de vigência do Código de 1916 até o seu encerramento.

Vê-se que o legislador em boa hora recuperou no âmbito securitário o princípio indenitário, consagrando-se como balizador da reposição dos danos causados pelo sinistro, sendo prudente, todavia, que se mantenha, na revisão do citado normativo, o critério de valor de mercado referenciado ali insculpido.

Confira-se, sobre o tema, o excelente trabalho de LUÍS FERNANDO BARROSO PILLAR

“Restava ser definida a estruturação de outra forma de contratação, modalidade esta que iria ser proposta como alternativa para os segurados que desejassem contratar pelo princípio indenitário, considerando que o seguro por valor determinado contém intrísico elemento estimulador de fraudes e de especulação, pela possibilidade de auferimento de lucro, situação que, refletida na sinistralidade, em futuro breve poderá trazer uma elevação do valor do prêmio.

A forma encontrada decorreu de discussões que já vinham sendo debatidas no mercado de seguros e na própria SUSEP, sendo entendido que era imperiosa uma fonte de referência impressa, que serviria não só para a aceitação do risco, quanto para o pagamento da indenização do bem segurado na ocorrência da perda total.

Em vista dessas variáveis, entendeu-se equacionar a questão através da estruturação de uma modalidade a ser denominada valor de mercado referenciado, que como se verá adiante, no que tange à forma de liquidação do sinistro (sempre por perda total/furto/roubo), não permitirá dúvidas e divergências quanto ao valor do bem a ser indenizado, tudo em estrita observância com o princípio básico da transparência que deve nortear as relações de consumo.” (grifamos)

19. O ALCANCE DO CONCEITO DE PREJUÍZO NOS SEGUROS DE DANOS

Dispõe o Art. 779, da LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, verbis:

“Art. 779 - O risco do seguro compreenderá todos os prejuízos resultantes ou conseqüentes, como sejam os estragos ocasionados para evitar o sinistro, minorar o dano, ou salvar a coisa”.

Perquere-se, na inovação legal, se a supressão da expressão “salvo expressa restrição na apólice”, contida no dispositivo correspondente no velho código, implica na cobertura de todos os prejuízos resultantes ou conseqüentes do sinistro, eis que, pela leitura do artigo, não mais se permitiria a inclusão, nos contratos de seguros, de cláusulas que excluam danos ou despesas efetuadas para evitar o sinistro, minorar o dano ou salvar a coisa.

O disposto no Art. 779 deve ser interpretado, no contexto do seguro de dano patrimonial, como risco do bem ou interesse do próprio segurado. Como bem assevera MINHOTO “essa disposição repete a do Código Civil de 1916 (Art. 1461). Destaque-se que o final do artigo é exemplificativo, assim, já há quem interprete que os lucros cessantes, por exemplo, estejam automaticamente incluídos na garantia de incêndio de um prédio comercial, posto que estes serão prejuízos conseqüentes. Entendo de forma diferente. A cobertura existe para riscos predeterminados (Art. 757). Assim, se a apólice não incluir lucros cessantes estes não gozarão da garantia. O que o legislador quis incluir, e os exemplos estampados no artigo o demonstram, foram os prejuízos próprios para evitar, atenuar, reduzir os prejuízos ou salvar a coisa. Por exemplo, em um incêndio, se necessário for derrubar uma parede para impedir que o fogo atinja outra da edificação, essa parede gozará da cobertura.”

Portanto não há que se confundir o seguro de dano patrimonial, cujo bem segurado pode ser uma refinaria, com todas as suas instalações, ou um oleoduto, com o petróleo que corre em seu interior, ou mesmo uma plataforma de exploração de óleo bruto, com o seguro de responsabilidade civil realizado pela Petrobrás.

No primeiro caso, a cobertura securitária protegerá o segurado contra danos ocorridos nos seus equipamentos, insumos e instalações; no segundo caso, aí sim, o segurador garantirá ao segurado o pagamento de perdas e danos devidos a terceiros, nos termos do disposto no Art. 787 CC.

20. DO SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL

Dispõe  a LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002 em seus Arts. 787 e 788, verbis:

“Art. 787 - No seguro de responsabilidade civil, o segurador garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro.

§1º - Tão logo saiba o segurado das conseqüências de ato seu, suscetível de lhe acarretar a responsabilidade incluída na garantia, comunicará o fato ao segurador.

§2º - É defeso ao segurado reconhecer sua responsabilidade ou confessar a ação, bem como transigir com o terceiro prejudicado, ou indenizá-lo diretamente, sem anuência expressa do segurador.

§3º - Intentada a ação contra o segurado, dará este ciência da lide ao segurador.

§4º - Subsistirá a responsabilidade do segurado perante o terceiro, se o segurador for insolvente.

Art. 788 - Nos seguros de responsabilidade legalmente obrigató­rios, a indenização por sinistro será paga pelo segurador diretamente ao terceiro prejudicado.

Parágrafo único - Demandado em ação direta pela vítima do dano, o segurador não poderá opor a exceção de contrato não cumprido pelo segurado, sem promover a citação deste para integrar o contraditório.”

Consoante doutrina de PENTEADO DE MENDONÇA, “o seguro de responsabilidade civil é um seguro de reembolso, que, por simplificação operacional, na medida em que a seguradora sabe que seu segurado foi responsável pelo dano causado a terceiro, aquela muitas vezes assume diretamente a regulação do sinistro. A responsabilidade da seguradora é sempre uma responsabilidade contratual, portanto é o clausulado do contrato que vai determinar se há ou não cobertura para os casos de responsabilidade objetiva”

A temática do seguro de responsabilidade civil já foi exaustivamente abordada nos itens 3 (ATOS ILÍCITOS E O SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL, 4 (OS DANOS MORAIS NO SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL) e 5 (A PRESCRIÇÃO NO NOVO CÓDIGO CIVIL E SEUS EFEITOS NO MERCADO SEGURADOR), razão pela qual deixaremos de abordar a matéria neste tópico.

Contudo, um ponto levantado pelo consulente merece alguma reflexão.

De fato, no caso de seguros de responsabilidade civil obrigatório, como é exemplo a responsabilidade civil do transportador em virtude das perdas e danos sofridos pelos bens ou mercadorias pertencentes a terceiros e por aquele transportados, pode a vítima do dano interpor diretamente a ação em face do segurador (parágrafo único, Art. 788). Por outro lado, o não pagamento do prêmio, ou de parte dele, como já se viu, cancela automaticamente a apólice, implicando na desobrigação do segurador em honrar a cobertura securitária devida em caso de sinistro. Todavia, em decorrência do disposto no parágrafo único, do Art. 788, in fine, cabe ao segurador promover a citação do segurado inadimplente para integrar o contraditório.

No caso, em se tratando de demanda interposta sob a égida da Lei nº 9.099 (Juizados Especiais), por ser vedada a intervenção de terceiros, não poderia o segurador promover a “denunciação à lide”, onde buscaria reparação do verdadeiro causador do dano em caso de even­tual decisão condenatória contra ele (segurador).

Todavia, admite expressamente o Art. 10º, da indigitada Lei nº 9.099/95, o litisconsórcio. Assim, na hipótese, restaria ao segurador peticionar ao Juiz requerendo a inclusão, do segurado inadimplente, como litisconsorte passivo necessário, com fulcro no Art. 47, da lei adjetiva, eis que, por expresso dispositivo legal (Art. 788, parágrafo único), a lide deverá ser decidida de modo uniforme para todas as partes, com a improcedência do pedido em relação à seguradora, pela inexistência de relação jurídica (cancelamento automático da apólice) entre ela e o autor, e pela procedência em relação ao segurado inadimplente, causador do dano.

21. DO SEGURO DE PESSOAS

Dispõe a LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, nos Arts. 789 e 790, verbis:

“Art. 789 - Nos seguros de pessoas, o capital segurado é livremente estipulado pelo proponente, que pode contratar mais de um seguro sobre o mesmo interesse, com o mesmo ou diversos seguradores.

Art. 790 - No seguro sobre a vida de outros, o proponente é obrigado a declarar, sob pena de falsidade, o seu interesse pela preservação da vida do segurado.

Parágrafo único - Até prova em contrário, presume-se o interesse quando o segurado é cônjuge, ascendente, ou descendente do proponente.”

Ao contrário dos seguros de dano, que, como já se examinou, têm por escopo a reposição pecuniária pela ocorrência de prejuízos, portanto de natureza indenitária, nos seguros de pessoa, e aí se inclua os de acidentes pessoais, tal não ocorre eis que seu objetivo é o pagamento de uma certa soma, em dinheiro, denominada capital segurado.

É reconhecido, em sede doutrinária, que no caso da vida a importância segurada é de valor inestimável, portanto dissociada do conceito de dano. Daí que uma pessoa pode contratar tantos seguros de vida quanto desejar, com capitais segurados que quiser e sua condição econômica permitir.

Fica plenamente inteligível, então, que nos seguros de dano, para ficarmos com a classificação adotada pela nova lei substantiva pátria, o objetivo é garantir a reposição do bem ou interesse econômico, enquanto no seguro de pessoa o valor pago ao beneficiário, em ocorrendo a morte do segurado, por exemplo, representa o recebimento de um capital investido, sendo certo que nesta modalidade securitária o capital não tem, nem poderia ter, o propósito de repor a vida ou a integridade física do segurado.

Estabelecidos estes balizamentos, passemos agora ao enfrentamento de alguns pontos que, certamente, merecerão boa dose de reflexão por parte dos estudiosos e intérpretes da nova lei civil.

LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002trouxe uma dicotomia, até então, inexistente em nosso direito positivo, ao classificar os seguros em de danos e de pessoas.

Ao contrário, o Código de 1916 trazia uma parte geral, com regras básicas e princípios comuns à toda avença securitária, tratava ainda das obrigações do segurado e do segurador e dedicava uma seção ao seguro de vida, cujo objeto (Art. 1471) é o pagamento de certa soma a determinadas pessoas por morte do segurado, sendo livre às partes fixarem o valor respectivo e fazer mais de um seguro.

Portanto, apenas o seguro de vida representava o recebimento de um capital investido, dada, como já se abordou, sua total incompatibilidade com qualquer ressarcimento, ficando os demais ramos, pela antiga lei, caracterizados como seguros patrimoniais, de natureza eminentemente indenitária.

Nessa linha, o Art. 7º do DECRETO Nº 61.589 DE 23.10.1967, que ratifica disposições do DECRETO Nº 60.459, DE 13.03.1967 (que regulamenta o DECRETO-LEI Nº 073, DE 21.11.1966), classifica os seguros em:

-ramos elementares

-seguro de vida

-seguro saúde

Assim, inseria-se o seguro de acidentes pessoais no grupo dos seguros elementares, definidos, pelo referido Art. 7º, como aqueles “que visem a garantir perdas e danos, ou responsabilidades provenientes de riscos de fogo, transportes, acidentes pessoais, e outros eventos que passam ocorrer afetando pessoas, coisas e bens, responsabilidades, obrigações, garantias e direitos.”

Todavia com a vigência da LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, é nos seguros de pessoas, e não mais no de vida apenas, que o capital segurado é estipulado livremente pelo proponente, podendo ser contratado mais de um seguro sobre o mesmo interesse, com o mesmo ou diversos seguradores (Art. 789), ficando dissipada qualquer dúvida, por expressa determinação legal, quanto à inclusão do seguro de acidentes pessoais no seguro de pessoa.

Desse modo aplicam-se a ambos (vida e acidentes pessoais) todas as regras comuns ao seguro de pessoa, verbi gratia a impossibilidade de sub-rogação do segurador nos direitos e ações do segurado, ou dos beneficiários, contra o eventual causador do dano (Art. 800).

Aponte-se que o seguro saúde, como também o de acidentes de trabalho, embora se relacionando à pessoa do segurado, ou de beneficiário do seguro, são na verdade seguros patrimoniais, seguros de dano, e portanto conciliáveis com o instituto da sub-rogação.

Uma breve digressão deve ser registrada no tocante a não inclusão do seguro de acidentes de trabalho no grupo dos seguros de pessoa, tal como ocorre nos seguros de vida e acidentes pessoais.

Já se disse, e com grande acerto, que a vida humana não tem preço, daí a impossibilidade de indenizá-la. Nessa ótica, também a incapacidade causada ao ser humano enquanto nesta qualidade, ocasionada pelo risco acidentário igualmente não é passível de mensuração econômica.

No entanto ao ingressar no processo produtivo o indivíduo reveste-se da condição de fator de produção, portanto, aí sim, possibilitando sua valoração.

Dessarte, no que concerne à proteção dos infortúnios ocupacionais, o próprio legislador constituinte cuidou de estabelecer tratamento indenitário ao instituir, como direito do trabalhador, o “seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que a este está obrigado quando incorrer em dolo ou culpa”. (Art. 7º, XXVIII, CRFB)

Observe-se que aqui não é apenas válida a sub-rogação, evitando-se a impunidade do empregador relapso e causador do dano, como também, à luz do permissivo constitucional, na hipótese do trabalhador acidentado ajuizar ação indenizatória em face do empregador, por entender insuficiente a cobertura securitária em função de flagrante negligência ou até mesmo dolo do patrão, o ajuizamento, por parte da seguradora, de Oposição, nos termos do Art. 56, do Código de Processo Civil, em face de ambos, empregado e patrão, com vistas a ressarcir-se, até o limite da importância segurada, do direito de ressarcimento postulado pelo empregado autor na ação principal.

Outra importante inovação trazida pela LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, em relação ao seguro de pessoa, diz respeito a possibilidade explícita de instituir-se o (a) companheiro (a) como beneficiário (a), consoante Art. 793, verbis:

“Art. 793 - É válida a instituição do companheiro como beneficiário, se ao tempo do contrato o segurado era separado judicialmente, ou já se encontrava separado de fato.”

É de bem alvitre o registro de que o Código de 1916 vedava, no seguro de vida, a instituição de beneficiário que fosse legalmente inibido de receber doação do segurado (Art. 1464).

Como bem assevera MINHOTO, “o novo texto autoriza que se institua companheiro como beneficiário, desde que já desfeito de fato, ou de direito o casamento. Tal disposição decorre da Constituição Federal. Porém, na constância do casamento, é vedada a instituição da companheira como beneficiária, até porque em tal caso será concubina, ou amante, mas não companheira. O conceito compreendido em companheira é de uma união como se casamento fosse, e não uma relação paralela de casamento.”

Também a vetusta polêmica sobre a cobertura do seguro de vida, em caso de suicídio do segurado, parece chegar ao fim com a vigência da LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002.

Dispõe o Art. 798, in verbis:

“Art. 798 - O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no parágrafo único do artigo antecedente.

Parágrafo único - Ressalvada a hipótese prevista neste artigo, é nula a cláusula contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do segurado.”

É de se notar que o antigo Código excluía do risco a morte voluntária, considerando para tal, tanto o duelo como o suicídio premeditado por pessoa em seu juízo (Art. 1440, parág. Único).

Na boa observação do eminente MUNIR KARAN o desiderato do legislador foi desestimular o suicídio para o recebimento do seguro, além do que, se o evento, que constitui objeto de seguro, pudesse ser realizado pelo próprio segurado, desapareceria a incerteza que é da essência do risco segurável.

Por outra vertente, a doutrina sempre admitiu o suicídio involuntário, inconsciente ou não premeditado, como fato gerador válido para cobertura do seguro de vida, entendendo aquele como resultado de uma fatalidade.

Durante certo tempo chegou a admitir-se, nos meios securitários, a instituição de cláusula de carência na apólice, sendo que, após o seu decurso, a morte oriunda de qualquer forma de suicídio, teria cobertura no seguro de vida.

Todavia, o Supremo Tribunal Federal rechaçou essa tese ao editar a notável Súmula 105, que dispunha:

“Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do pagamento do seguro.”

De qualquer sorte a chamada “cláusula de incontestabilidade diferida” ostentava irremediável problema jurídico, não porque negasse o pagamento do suicídio involuntário em determinado período (carência), mas porque contemplava a cobertura do suicídio voluntário, após vencida a carência, o que vulnerava o Art. 1440, do Código de 1916.

Assim, o Art. 798, da nova lei, elidiu qualquer problema em relação ao suicídio ao positivar a carência bienal, após a qual, qualquer que seja a forma do suicídio, o beneficiário terá direito ao capital segurado.

Outro ponto a merecer algumas considerações diz respeito às hipóteses, previstas em lei, para devolução da reserva formada.

Dispõe os artigos 796 e 797, verbis:

“Art. 796 - O prêmio, no seguro de vida, será conveniado por prazo limitado, ou por toda a vida do segurado.

Parágrafo único - Em qualquer hipótese, no seguro individual, o segurador não terá ação para cobrar o prêmio vencido, cuja falta de pagamento, nos prazos previstos, acarretará, conforme se estipular, a resolução do contrato com restituições da reserva já formulada, ou a redução do capital garantido proporcionalidade ao prêmio pago.

Art. 797 - No seguro de vida para o caso de morte, é lícito estipular-se um prazo de carência, durante o qual o segurador não responde pela ocorrência do sinistro.

Parágrafo único - No caso deste artigo o segurador é obrigado a devolver ao beneficiário o montante da reserva técnica já formada.”

Aponta o consulente dúvida em relação a “certos planos de vida individual, estruturados no regime financeiro de Repartição Simples, onde os prêmios do segurado são calculados segundo os conceitos de receita e despesa, arrecadando-se o suficiente para a cobertura dos eventos garantidores, à medida que ocorram, e das despesas de administração, não havendo, pois, constituição de reserva.”

Parece-nos, a um primeiro exame, que a situação apontada afigura-se a semelhança de que ocorre com certos planos previdenciários, no tempo da edição da revogada Lei nº 6.435/77, que instituiu o regime de previdência complementar, e que eram operados, em regime de repartição simples, por entidades sem fins lucrativos, sucessoras dos antigos montepios. À época em que foram estruturados os referidos planos não havia legislação específica que tornasse obrigatória a constituição de reservas, sendo que a maioria desses produtos não pode se adaptar às novas regras instituídas pela SUSEP, a partir da então nova Lei nº 6.435/77. Tais planos, então, foram considerados bloqueados, vale dizer foi proibida sua comercialização, ou seja o ingresso de novos participantes, mas mantida a sua existência até o pagamento do último beneficiário.

O que se deve registrar, todavia, na situação concernente aos mencionados planos de Vida Individual, operados em regime de repartição, é que, pela própria essência do mutualismo, não há que se falar em reserva matemática, individualizada por segurado, como ocorre nos planos de vida com cobertura de sobrevivência, mas, simplesmente, a reserva técnica única, constituída pela seguradora como garantia de suas obrigações, que, por sua própria natureza, não pode ser restituída isoladamente.

Quanto à hipótese de redução do capital garantido proporcionalmente ao prêmio pago, contemplada na parte final do parágrafo único do Art. 796, só é aplicável na inadimplência de um dos prêmios sucessivos nas apólices plurianuais em regime de capitalização, uma vez que nos seguros conveniados por prazo limitado, com pagamento único, a falta deste implica no cancelamento automático do contrato.

Portanto a regra prevista na LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002 deve ser interpretada como uma possibilidade, a ser estipulada no contrato, quando for o caso, e não como uma obrigatoriedade imposta aos seguradores, não se podendo olvidar que a extinção (cancelamento) ou alteração (redução de capital) do contrato, na hipótese vertente, se dão por culpa do segurado que não honrou sua obrigação (pagamento do prêmio).

Distinta, portanto, é a situação contemplada no Art. 797.

Aqui, o que se verifica é um contrato celebrado, cuja extinção, pela morte do segurado no período de carência, se dá sem culpa das partes. Cuidou o legislador de estabelecer regra cogente determinando, na hipótese de morte do segurado durante o prazo de carência, que o segurador devolva ao beneficiário o montante da reserva técnica já formulada.

Como já se viu, nos planos de Vida Individual, em regime de repartição, não há reserva matemática, individualizada por segurado, razão pela qual inaplicável à espécie a regra em comento.

Todavia, ao contrário do Art. 796, no parágrafo único, do Art. 797, é mencionada a expressão “reserva técnica”, conceito que diz respeito à garantia das obrigações assumidas pelo segurador e que é formada a partir do pagamento do prêmio.

Portanto, na hipótese tratada no Art. 797, entendemos que deve ser devolvido ao beneficiário o prêmio puro, ou seja a diferença entre o valor total pago pelo segurado e o carregamento constituído das despesas administrativas e comerciais relativas ao contrato.

Igual entendimento deve ser aplicado à hipótese do Art. 798, qual seja a morte por suicídio do segurado no período bienal de carência.

No que concerne à estipulação de prazo de carência nos seguros de vida por morte acidental, entendemos que o dispositivo é inaplicável àquelas situações por total incompatibilidade com a natureza do risco segurável.

Por fim, é suscitada dúvida sobre a indenização pelo segurador em caso de invalidez parcial permanente, na forma utilizada pela tabela constante da Circular SUSEP nº 29/91, tendo em vista a vedação contida no Art. 795, verbis:

“Art. 795 - É nula, no seguro de pessoa, qualquer transação para pagamento reduzido do capital segurado.”

Rogata venia, entendemos que a expressão “transação” contida no referido dispositivo diz respeito tão-somente a eventual acordo, para liquidação de sinistro, em casos de morte e invalidez total, por valor menor do que previsto na apólice para cobertura. Quisesse o legislador vedar a utilização de tabela, para pagamento da indenização em caso de invalidez parcial, teria utilizado a expressão “convencionar” ou “estipular” como o fez em outros dispositivos da nova lei.

22. A FIGURA DO ESTIPULANTE E O SEGURO DE PESSOA

Dispõe o Art. 801, da LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, verbis:

“Art. 801 - O seguro de pessoas pode ser estipulado por pessoa natural ou jurídica em proveito de grupo que a ela, de qualquer modo, se vincule.

§1º - O estipulante não representa o segurador perante o grupo segurado, e é o único responsável, para com o segurador, pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais.

§2º - A modificação da apólice em vigor dependerá da anuência expressa de segurados que representem três quartos do grupo.”

É de se admitir que uma das figuras mais intrigantes do universo das relações securitárias e que, inquestionavelmente, merece algum cuidado e reflexão, é a do estipulante no contrato de seguro. O douto SERGIO CAVALIERI FILHO destaca que “curioso é o mecanismo de formação do contrato de seguro em grupo, posto que, através de uma única apólice, atinge-se uma multiplicidade de pessoas. Ademais, o contrato principal não é celebrado pelos integrantes do grupo, ou seja, por alguns que estão sujeitos aos riscos e pretendem garantia, mas sim pelo estipulante, pessoa física ou jurídica-empregador, sindicato, associação de classe etc. diretamente com o segurador, através de um instrumento que contém todas as condições do seguro. Celebrado este contrato-mestre ou padrão, vamos assim chamá-lo, a ele poderão aderir os componentes do grupo que quiserem obter a cobertura do seguro, mediante pagamento de uma parcela do prêmio, formando-se, assim, múltiplas relações jurídicas individuais. É por adesão, portanto, que se formam as relações jurídicas individuais entre o segurador e os segurados, inseridos no âmbito do contrato padrão. Há mais uma peculiaridade que deve ser destacada nesta interessante modalidade de seguro. Enquanto a relação jurídica principal, estabelecida entre o estipulante e o segurador, permanece estável e inalterável durante toda a vida do contrato, no âmbito do grupo ocorre constante mutação em razão da permanente entrada e saída de segurados.”

O DECRETO-LEI Nº 073, DE 21.11.1966 define em seu Art. 21, §1º, que estipulante é a pessoa que contrata seguro por conta de terceiros, podendo acumular a condição de beneficiário.

No parágrafo segundo, do mesmo artigo, é pontuado que nos seguros facultativos o estipulante é mandatário dos segurados, enquanto o “caput” estabelece que nos casos de seguros legalmente obrigatórios, o estipulante equipara-se ao segurado para os efeitos da contratação e manutenção do seguro. Consoante o §3º, do citado dispositivo, cabe ao Conselho Nacional de Seguros Privados - CNSP - estabelecer os direitos e obrigações do estipulante, quando for o caso, na regulamentação de cada ramo ou modalidade de seguro.

Já vimos, no item 3 (ATOS ILÍCITOS E O SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL), que segundo PEDRO ALVIM o direito positivo pátrio reconhece duas espécies de estipulação, ambas com relevância para o contrato de seguro. Uma disciplinada pela legislação especial de seguros (DECRETO-LEI Nº 073, DE 21.11.1966). Outra, do direito comum, tratada no Código Civil de 1916 (Arts. 1098/1100) e mantida na LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002 (Arts. 436/438). Na primeira hipótese o estipulante contrata o seguro por conta de terceiros, sendo apenas mandatário dos segurados. Na segunda, o seguro é contratado em favor de terceiros, sendo que o estipulante equipara-se ao segurado.

Interessa-nos, aqui, mais de perto, a estipulação por conta de terceiros, no contrato de seguro, onde o risco incide sobre o segurado e não sobre o estipulante, razão pela qual assume este a posição de representante daquele para transferir o risco ao segurador, sendo, assim, figura obrigatória nos chamados seguros de vida em grupo, celebrados mediante apólices coletivas.

Esse estipulante, hoje, encontra-se regulado pela Resolução CNSP nº 41/2000 que conceitua, em seu Art. 1º, estipulante como “a pessoa jurídica que contrata a apólice coletiva de seguros, ficando investido dos poderes de representação dos segurados perante às sociedades seguradoras.” No inciso I, do mesmo artigo, o normativo determina que “o estipulante deverá manter vínculo jurídico com o grupo segurado, ou com o sub-estipulante, e este com o grupo segurado, independente do contrato de seguros e da forma de adesão, individual ou coletiva”; já no inciso II é dito que “o estipulante somente poderá contratar seguros cujo objeto esteja diretamente relacionado ao vínculo de que trata o inciso anterior”.

A edição de tal normativo, à época, revestiu-se de crucial importância pelo fato de ser o estipulante o representante dos segurados nas apólices coletivas. Daí a necessidade, abrangida pela norma, de afastar as situações em que o estipulante não possua qualquer vínculo jurídico com o segurado, muito embora recebendo remuneração pelo gerenciamento do seguro, mas sem qualquer compromisso efetivo com o interesse dos segurados.

É bom salientar que a SUSEP, como órgão fiscalizador do mercado de seguros, sempre recebeu, ao longo do tempo, inúmeras reclamações de segurados em apólices intermediadas por estipulantes, onde se verificava uma total falta de transparência nessas relações. Na maioria das vezes, o segurado só tomava plena consciência do mandato que outorgara ao estipulante quando da ocorrência do sinistro, onde percebia, então, a completa assimetria de informações entre o que supunha ter contratado o que de fato contratou.

1) Veda às corretoras de seguros e seguradoras a estipulação de apólices, exceto quando os segurados são seus próprios empregados.

2) Cria obrigações para o estipulante, com vistas a maior transparência na relação com os segurados, com as seguradoras e com a própria SUSEP.

3) Obriga as seguradoras a incluírem em seus contratos as obrigações do estipulante, previstas na Resolução, bem como a informar ao segurado a situação de adimplência do estipulante/sub-estipulante.

4) Regula a figura do sub-estipulante, que já existia na prática, mas sem o devido respaldo normativo, estendendo a este todas as responsabilidades e obrigações do estipulante.

Em conformidade com o citado normativo, nos contratos contributários, onde o segurado responde por parcela ou totalidade dos prêmios, é vedado ao estipulante ou sub-estipulante, modificar, sem anuência dos segurados, as condições contratuais ou substituir as seguradoras garantidoras do risco, na vigência da apólice.

Apesar do esforço regulatório da SUSEP, no sentido de dar transparência na estipulação de apólices coletivas, afastando vinculações precárias, verbi gratia o contrato de adesão, a LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, no Art. 801, põe por terra aqueles objetivos ao estabelecer que o seguro de pessoas pode ser estipulado por pessoa natural ou jurídica em proveito de grupo que a ela de qualquer modo se vincule.

Nesse ponto concordamos inteiramente com o emitente SERGIO BARROSO DE MELLO quando afirma que a partir de agora poderá ser estipulante “pessoa natural”, ampliando-se o leque antes restrito às pessoas jurídicas, não mais havendo necessidade de vínculo específico com o segurado, pouco importando seja esta vinculação oriunda ou não da própria relação existente entre ambos. Fica assim prejudicado o Art. 1º e seus incisos I e II, da Resolução CNSP nº 41/2000.

É possível que o legislador da nova lei substantiva, ao estender à pessoa natural a condição de estipulante, tenha procurado alcançar figuras como o empreiteiro civil (pessoa física) que, doravante, fica legitimado a estipular seguros de vida/acidentes pessoais para seus empregados ou prestadores de serviços.

Por outro lado, a nova lei impôs, no §2º, do Art. 801, que qualquer modificação da apólice em vigor dependerá da anuência expressa de segurados que representem três quartos do grupo.

Nesse ponto ousamos divergir de BARROSO DE MELLO e MUNIR KARAN, quando entenderam que, por força de possuir, o estipulante, a condição de mandatário dos segurados (Art. 21, §2º, DECRETO-LEI Nº 073, DE 21.11.1966, a disposição da LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002 torna-se dispensável.

Data maxima venia, tal regra já encontrava-se parcialmente insculpida no Art. 5º, inciso I e II, da Resolução CNSP nº 41/2000, e a entendemos como uma proteção trazida pelo legislador contra eventuais atos lesivos aos segurados praticados pelo próprio mandatário (estipulante).

De qualquer sorte a Resolução CNSP nº 41/2000, combinada com as tipificações infracionais estabelecidas para estipulante pela RESOLUÇÃO CNSP Nº 060, DE 03.09.2001, vêm trazendo significativas melhorias na relação consumidor/estipulante, que se forma através das apólices coletivas de seguros de pessoas, razão pela qual entendemos que o normativo em tela deva ser apenas modificado, alterando-se os dispositivos que encontram-se em total afronta ao novo texto da lei civil, conforme aqui apontado.

23. OS CONFLITOS INTERTEMPORAIS DECORRENTES DA VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO

Dispõe a LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, em seus Arts. 2031, 2035 e 2045, verbis:

“Art. 2031 - As associações, sociedades e fundações, constituídas na forma das leis anteriores, terão o prazo de um ano para se adaptarem às disposições deste Código, a partir de sua vigência; igual prazo é concedido aos empresários.

Art. 2035 - A validade dos negócios jurídicos e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no Art. 2045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.

Parágrafo único - Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.

Art. 2045 - Revogam-se a Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916 - Código Civil e a Parte Primeira do Código Comercial, Lei nº 556, de 25 de junho de 1850.”

Para que melhor se perceba a importância do tema agitado pelo consulente, reportamo-nos, uma vez mais, ao nosso recente trabalho onde a matéria foi abordada:

“O tema da retroatividade da lei há muito vem desafiando juristas, estudiosos e operadores do direito, sem que uma posição concreta e definitiva viesse a colocar uma pá de cal sobre a controvérsia. Se por uma lado, o ideário liberal, ancorado no vigoroso princípio de segurança das relações jurídicas, opõe os institutos do direito adquirido e do ato jurídico perfeito para retirar qualquer efeito da lei nova às situações constituídas antes de sua vigência, de outro, é o Poder Público que se vê, ante as circunstâncias de relevância social, na imperativa necessidade de interferir no domínio econômico, investindo-se dos atributos de titular absoluto e guardião do bem comum da coletividade e, portanto, com a prerrogativa de editar leis retroativas.

A discussão é candente e necessita para o seu deslinde do aprofundamento do conceito das chamadas regras jurídicas de ordem pública, cuja identificação, em princípio, pode trazer um elemento indicador à possibilidade de flexibização do princípio da irretroatividade.

............................................................................................

Em nosso ordenamento a irretroatividade é assegurada no texto constitucional (Art. 5º XXXVI) apenas nas hipóteses de direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada, pecando o texto, todavia, por não definir tais hipóteses. Assim, contraditoriamente, é a lei de introdução ao Código Civil que vai definir, no Art. 6º, as situações de direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada.”

De plano, deve ser afastada a dúvida relativa ao alcance do Art. 2031, eis que a regra ali contida cinge-se ao prazo de adaptação às novas regras de governança corporativa das pessoas jurídicas de direito privado.

Note-se que os entes fiscalizados pela SUSEP (Seguradoras, sociedades de capitalização e entidades abertas de previdência complementar), por se revestirem, por determinação legal, sob a forma de sociedades anônimas, continuam sendo regidos por lei especial (Lei nº 6.404/76), nos termos do Art. 1.089 CC, que estabelece que “a sociedade anônima rege-se por lei especial, aplicando-se-lhe, nos casos omissos, as disposições deste Código”.

No tocante a validade dos negócios e demais atos jurídicos, celebrados ao tempo da lei anterior, nos parece ter adotado, o legislador pátrio, a teoria da retroatividade mínima, que, segundo JOSÉ CARLOS DE MATOS PEIXOTO, ocorre quando a lei nova atinge apenas os efeitos dos fatos anteriores, verificados após a data em que ela entra em vigor.

Portanto, como não poderia deixar de ser, respeitou-se o ato jurídico perfeito. Confira-se, sobre o tema, o irretocável escólio de MARIA HELENA DINIZ que considera “perfeito o ato ou negócio jurídico quando já se aperfeiçoou, isto é, quando todos os seus elementos constitutivos já se verificaram. É o ato consumado, que não depende mais de nada para ter plena eficácia.”

Temos, pois, que o contrato de seguro se aperfeiçoa uma vez pago o prêmio e emitida a apólice ou bilhete de seguro. Assim, as apólices celebradas ao tempo da antiga lei deverão ser honradas e cumpridas até o seu vencimento, até porque possuem formas próprias de execução, nos termos do clausulado e das condições gerais, ao abrigo, portanto, da regra de transição do Art. 2035, in fine.

Registre-se, por derradeiro, que as regras e princípios considerados de ordem pública, alteradas pela LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, como são exemplos a capacidade das partes, a prescrição, a decretação de morte presumida, sem declaração de ausência, e outros, alcançam e modificam os contratos em curso, como determina expressamente o disposto no parágrafo único, do Art. 2.035.

Diante de tudo aqui exposto, salvo omissão de minha parte e no que, desde já, rogo minhas desculpas, quero crer que foram abordados os principais pontos, levantados pelo órgão consulente, relativos aos reflexos trazidos aos contratos de seguros pela LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002.

Como a matéria exige tratamento uniforme, cogente a todo Sistema Nacional de Seguros Privados, impõe-me o exercício do cargo de Procurador-Geral o dever legal, fulcrado nos Arts. 17, 18 e 11, inciso IV, da Lei Complementar nº 73/93, de fixar as interpretações aqui exaradas para que sejam seguidas em todo âmbito de atuação desta Autarquia.

Raul Teixeira
Procurador-Geral

(DOU 26.03.2003 - págs. 39 a 46 - Seção 1)