Tenho lido diversos artigos de corretores de seguros alertando a classe sobre as consequências da posição da Procuradoria da República, com o apoio da SUSEP, autorizando a venda direta de seguros pelas seguradoras. Além disso, temos o desenvolvimento das atividades da INSURTECH’s com a sua alta tecnologia a favor da venda fácil, rápida e eficiente como ‘appeal’ extraordinário para os jovens e futuros consumidores de seguros.

O importante a considerar é o que irá impactar no fato de aprimorar e intensificar a ‘venda’ do seguro. É natural que as seguradoras procurem aumentar os seus canais de venda.

A propósito, entre as históricas ‘batalhas’ entre seguradores de banco e corretores de seguro prevaleceu este aspecto: numa trégua aparente entre as partes, mas de fato, com os bancos vencedores da ‘guerra’ pois manobraram para unir corretores de seguros a gerentes de banco. Não deu certo e tudo voltou ao que era ‘dantes no quartel de Abrantes’. Foi um final feliz com a ilusão que todos foram vencedores!

Se analisarmos friamente a questão, com a evolução da tecnologia e ‘laissez faire’ da SUSEP, julgo que os corretores de seguros terão que adaptar-se às novas condições ou correm o risco de acabar. É uma questão lógica e seria algo extremamente reacionário lutar contra isso. E, realmente, não vejo nada que impeça essa adaptação.

Conciliar o desejo de ampliar a ‘venda’ de seguros por parte das seguradoras com o desejo dos corretores de seguro de se manterem em atividade é relativamente simples. Quais os desejos das seguradoras? A venda direta a ser executada pelo mercado. Corretores tem a condição de criarem INSURTECHS para vender, na qualidade de agentes das seguradoras, seguros de automóvel, residencial, acidentes pessoais e inúmeros outros seguros massificáveis. Qual a diferença entre ser ‘agente’ e ser ‘corretor’? Os primeiros representam e se responsabilizam pelos interesses da seguradora que agência. Já o corretor representa – ao menos é o que deveria ser – os interesses do segurado junto ao segurador. Em ambos os casos, quem paga a função tanto do ‘agente’ quanto do ‘corretor’ é sempre o segurado. O agente é pago pela seguradora diretamente, porém, o valor está embutido no preço do seguro. O corretor recebe comissão das seguradoras pelo prêmio colocado ou determina um ‘fee’ por seus serviços ao segurado sem aplicação de comissão por seguro colocado. De qualquer forma, é sempre o segurado quem paga a conta.

Outra maneira desejada pelas seguradoras é a liberdade de atuação na comercialização do seguro, o famoso ‘laissez faire’. Seria uma conversa direta entre seguradora e segurado sem a intermediação dos corretores que, segundo elas, só servem para tumultuar o processo. É uma tratativa especialmente complicada e depende da postura ética e profissional de cada segurador. Esse atendimento direto pode ser tratado como ‘venda’ pura de uma nova commodity e não a venda de um contrato entre as partes que exige explicações, entendimentos, acordos etc. Ou pode ser tratado seriamente, exigindo que a seguradora faça um investimento razoável na estruturação de um setor de prestação de serviços para atender essas explicações, entendimentos, acordos que normalmente seriam prestados por um corretor de seguros realmente profissional.

Qual o custo menor? Realmente, não sei. Se as seguradoras consideram que suas estruturas atuais são suficientes para suprir esses serviços, seriam menores, porém, ineficientes e ineficazes. Caso contrário, a comissão do corretor o seu ‘fee’ será igual ou menor, malgrado a guerra predatória do atual mercado de seguros.

Outro aspecto importante a considerar é que, dificilmente, as seguradoras irão abrir mão de massa de venda, por mais insensíveis que possam ser, superior a 70 mil corretores de seguros.

Tudo isso para tentarmos esclarecer se os corretores de seguro sobrevivem a esse tão esperado genocídio da classe.

A meu ver, se esse risco realmente existisse, os consultores de seguro do mundo ocidental são a prova concreta e evidente que não existe. Os mercados nos Estados Unidos e Europa operam com imensa liberdade, com vendas diretas, com ou sem INSURTECH, com agentes aos montes, super atuantes e uma enorme gama de operação de venda de seguros – atacado e varejo. Com tudo isso, os corretores de seguro – desde pequenos corretores, passando pelo ‘middle market’ e atingindo os high brokers – sobrevivem cada vez mais operantes, fortes e sadios. E isso ocorre, justamente, pela sua resiliência aos novos horizontes e, sobretudo, pelo entendimento do consumidor de que seguro não é commodity mas um produto que exige conhecimento amplo de risco, técnica de gerência de risco e da forma adequada de contratá-lo. Aí está o segredo do corretor de seguros. A sua função maior de consultor independente do segurado, o prestador de serviços que cria um programa de seguros e, sobretudo, o coloca junto às seguradoras.

Se as próprias seguradoras, na colocação de seus excedentes, o resseguro, necessitam de corretores de resseguros – com exceção às vezes dos seus contratos automáticos – é de se julgar que, mesmo conhecedores de seguros, precisam da qualidade especial dos ‘brokers’ nesta negociação. O broker é mais eficiente e eficaz que os seguradores.

Sinceramente, o nosso mercado é vasto e carente tanto de produtos quanto de serviços. E quer queiram ou não, serviços são inerentes ao produto de seguro. Assim, temer pela extinção da classe em função das necessárias modernizações e tecnologias e, ainda, pelo desejo de aumento de produção do nosso mercado, depende tão somente da nossa habilidade de nos adaptarmos. E precisamos, realmente, entender que somos importantes, até essenciais, à consultoria e à prestação de serviços ao segurado, principal ator do nosso mercado; quem demanda produto e serviços e paga.

Existe uma evolução clara na tecnologia de tratativa de riscos – algo surpreendente – como a importante e quase obrigatória introdução do sistema de gerenciamento de risco puro, em função das exigências de governança e de compliance nas empresas, que evolui para o ERM – Enterprise Risk Management. No Brasil, essa evolução técnica inicia seu processo desenvolvimento, porém, ainda lenta junto aos corretores de seguros.

Cabe esclarecer, no entanto, que essa evolução técnica abre um amplo campo de serviços de assessoria e consultoria inerentes às análises de riscos para os corretores de seguros e, por consequência, as tratativas diversas de controle de risco, de projetos financeiros e econômicos que permitam suportar riscos, altas franquias e sistemas de auto seguro. No gerenciamento de riscos puros, os seguro tem parcela importante em suas tratativas de transferência. Já no ERM, as empresas consideram riscos como um todo, adotando a tratativa de risco puro que mantém o seguro para as questões relativas a bens e responsabilidades em geral e adotam o projeto financeiro para tratativa dos grandes riscos de negócios.

Na verdade, o grande risco reside, essencialmente, na falta total de conhecimento por parte do segurado do que seja, de fato, seguro e tratativa de risco. E sobretudo dos serviços inerentes e necessários a estes e, daí, seu entendimento da importância do corretor de seguros no processo.

A nossa classe sempre fez a propaganda de que ‘seguro só com a presença do corretor’ mas jamais explicou porque essa presença é importante e necessária. Até certo ponto, impôs a existência do corretor de seguros e sua comissão, algo incrível numa economia que se julga livre e competitiva. Nada ganhamos com a imposição de benefícios - essa mania do empresariado brasileiro em se proteger – a não ser a pura antipatia do consumidor. Temos que demonstrar com a nossa atualização técnica e postura profissional que somos, de fato, importantes e necessários na prestação de serviços aos segurados; apoiados por uma constante operação de marketing verdadeira, séria e, sobretudo, ética.

Os corretores não irão desaparecer. Com a evolução do mercado, certamente, continuarão a ser considerados como peça essencial ao seu desenvolvimento.

São Paulo, 24 outubro 2019