A carta protesto é um dos temais mais instigantes do seguro de transporte. O seu conceito e/ou sua estrutura não são encontrados na técnica securitária. O dicionário da Escola Nacional de SegurosFUNENSEG (2011), por exemplo, não faz qualquer menção e as antigas condições gerais padronizadas da Circular SUSEP n. 354/2007 apenas mencionavam o “protesto” como “carta de reclamação dirigido ao(s) responsável(is) pelas avarias (transportador e/ou depositário) exigível na regulação de sinistro. Não obstante, a sua ausência ou irregularidade formal diariamente resulta na perda de direito da garantia pelo segurado fundamentando negativa de pagamento de indenização pelas seguradoras.

Na prática, tem-se um documento sem conceito nas condições gerais, sem a descrição mínima de sua estrutura formal, que não consta no rol das causas de perdas de direito da apólice, que passa desapercebido e quase desconhecido pela maioria dos segurados, mas capaz de negar o pagamento da indenização de um sinistro coberto por perda de direito.

Em razão disso, lançamos a proposta de estudar a carta protesto em uma série de escritos enfrentando os seus pontos jurídicos e práticos básicos quanto a sua forma, seus requisitos, seus sujeitos, sua eficácia e validade jurídica, principalmente, a partir da lei e da jurisprudência. Para começar essa jornada, esta reflexão serve ao intuito de conhecer um conceito minimamente aceitável, encontrar de onde ela nasce e qual a razão jurídica deste instrumento desconhecido, mas tão custoso para os segurados que têm suas indenizações negadas pela sua ausência ou vício formal. 

A sua compreensão passa necessariamente pelo dever de o destinatário da carga denunciar o transportador pela ocorrência de avaria do artigo 754 do Código Civil, que é um instituto exclusivo do direito dos transportes, mas conexo ao direito dos seguros.

O dever do destinatário da mercadoria denunciar ao transportador a ocorrência de avarias para preservação de direito de reparação cível, sob pena de decadência, tem duas regras específicas: i) no ato do recebimento da mercado por meio ressalva no próprio conhecimento de transporte quando a perda for total ou a avaria foi de imediata constatação, conforme caput, do artigo 754 do Código Civil ou ii) no prazo de 10 dias do recebimento da mercadoria, sob pena de perda do direito, por meio de denúncia no caso de perda parcial ou avaria imperceptível à primeira vista, conforme Parágrafo Único, daquela artigo. A ressalva no próprio conhecimento de embarque no ato do recebimento não tem qualquer segredo. Todavia, a denúncia de avaria no prazo de 10 dias exige um instrumento de comunicação do fato aos envolvidos, que a prática securitária optou por denominar carta protesto.

Assim, a partir da regra do Parágrafo Único, do artigo 754 do Código Civil, para um conceito minimamente coerente é possível entender que a carta protesto é um instrumento de comunicação de perda parcial ou de avaria imperceptível à primeira vista emitida pelo destinatário da mercadoria em face do transportador - possível causador de eventual dano - para preservação do direito de ação de reparação civil a ser formalizado no prazo de 10 dias, sob pena de perder este direito pela decadência.

A sua natureza jurídica é de ato jurídico unilateral cujo sujeito ativo (emitente) é o destinatário da carga (segurado) e o sujeito passivo (destinatário) é o transportador e/ou todos os transportadores envolvidos, nos termos do artigo 756 do Código Civil. A sua função é de mera comunicação da constatação ou da possibilidade de ocorrências i) perda parcial da carga e ii) avaria não perceptível à primeira vista; o prazo é de 10 dias e de natureza decadencial com início no recebimento da carga. O seu efeito jurídico é a conservação do direito de ação de reparação civil afastando a decadência. A lei não menciona a denúncia para ocorrências indícios de danos e que dependam de posterior prova de sua constatação. Contudo, intrínseco à regra está o elemento da boa-fé objetiva de comunicar aos envolvidos no transporte ocorrência de dano de sua responsabilidade e até mesmo a possibilidade de que estes danos venham a ser constatados ensejando, em última análise, o contraditório extrajudicial de ciência do evento, participação na constatação, apresentação de razões e assunção ou exclusão de culpabilidade do transportador. 

A conceituação do instrumento é fundamental para conhecer as suas outras características como estrutura, forma e aplicabilidade. Já sabendo o nascedouro da carta protesto é possível enfrentar o ponto de conexão dela, que advém no direito dos transportes, com a apólice de seguro, especialmente, a partir da sub-rogação, outro tema fundamental para a operação. Vamos para o 2º escrito da série.

23.11.2021