Por Antonio Penteado Mendonça

Antonio-Penteado-MendoncaDiz a lenda que o ser humano se habitua com tudo. Deve ser verdade, na medida que no Brasil a violência corre solta e nós não só não nos damos conta, como, ainda por cima, nos horrorizamos com o que acontece em outros países.

A violência brasileira pode ser dividida em dois grandes grupos, a violência direta e a violência indireta, sendo que a primeira é em grande parte gerada pela segunda.

O Brasil ostenta o impressionante recorde de mais de setenta mil homicídios por ano. Se lembrarmos que, na guerra do Vietnam, os norte-americanos, em dez anos de conflito, tiveram cinquenta mil mortos, veremos que só os assassinatos somam anualmente mais do que o total das mortes em um conflito brutal.

Se somarmos aos homicídios os quarenta mil mortos no trânsito, atingimos mais de cento e dez mil mortes violentas por ano. Só que este número é muito pior. Em complemento a elas temos mais de trezentas mil pessoas permanentemente inválidas, vítimas das tentativas de homicídio e dos acidentes de trânsito.

Comparadas com nossas estatísticas, as guerras na Síria, no Afeganistão ou no Iraque não só ficam menos sangrentas do que imaginamos que são, como, de verdade, têm menos mortes por ano do que o Brasil. E, no entanto, nós ficamos horrorizados com os noticiários sobre elas, como se o Brasil fosse calmo como o paraíso terrestre antes do pecado original, o que nos daria o direito de criticar os outros com a certeza absoluta dos povos escolhidos por Deus.

Os números acima são suficientes para colocar o país entre os mais violentos do mundo, mas, como se estivéssemos anestesiados, nós não percebemos o tamanho do problema e não nos horrorizamos com as cenas diariamente mostradas em todos os tipos de mídia.

Não é normal o exército precisar apoiar a polícia para manter o controle de áreas críticas no Rio de Janeiro. Não é normal as periferias das grandes cidades serem controladas pelo crime organizado, que inclusive promove a ocupação de áreas protegidas, planejando loteamentos e construindo edifícios de todos os tipos. Também não é normal São Paulo e Rio de Janeiro concentrarem mais de 80% dos roubos de cargas praticados no país, nem este delito estar em patamar tão alto que contribui para o aumento do “custo Brasil”, elevando o preço dos produtos nacionais.

A violência brasileira começa dentro de casa. Os exemplos vão ao ar diariamente, sendo que os feminicídios ocupam parte importante dos noticiários, com as agressões a professores e abusos de todas as ordens não ficando muito atrás.

E aqui nós chegamos no grupo da violência indireta, que é, em grande parte, responsável pelo quadro lamentável acima descrito. A violência indireta é a violência praticada pelo Estado, por ação ou omissão, contra o cidadão comum, o pagador de impostos que custeia a farra de benefícios e bandalheiras que enriquece uma casta privilegiada, enquanto a maioria da população vive com menos de dois mil reais por mês.

A crise que criou mais de treze milhões de desempregados é um lado da moeda, mas o quadro é mais sério, porque o outro lado não pode ser revertido apenas com a retomada do crescimento econômico. O desmonte da escola pública, o precário atendimento à saúde, a falta de políticas de assistência social capazes de atender a mulher, a gestante, o feto e a criança são problemas – ou dramas – que só serão solucionados com décadas de ações efetivas para reverter a realidade e que, até agora, não estão perto de começar.

É lamentável, mas a sociedade brasileira paga um preço alto por aquilo que não tem. Se o Estado fosse minimamente eficiente, não teríamos os planos de saúde privados como sonho de consumo, as escolas particulares como a garantia de futuro para os jovens e as empresas de segurança faturando alto para dar a proteção que as polícias não conseguem.

Neste cenário, não tem como as seguradoras não serem afetadas. E não é apenas o roubo e o furto em geral ou os acidentes de trânsito que custam caro. Todos os seguros são impactados pela violência, pela corrupção e pela ação ou omissão equivocada dos agentes públicos em geral.  

Fonte: O Estado de São Paulo, em 12.08.2019.